23 de setembro de 2010

Cruzando fronteiras e (in)visibilidades

Uma das discussões inerentes aos estudos de gênero tem sido a crítica à relação linear da sociedade heterossexista sobre a relação causal entre sexo biológico > identidade de gênero > identidade sexual [1]. Tal normatividade contribui para que se configure um quadro de preconceito quando homens ou mulheres transpõem fronteiras de gênero, inserindo-se em atividades que a sociedade não associa ao seu sexo biológico. A inserção dos homens na dança é um exemplo desse cruzamento de fronteiras. Ao se inserirem numa área de reserva feminina, são questionados em termos identitários, como se houvesse uma relação causal entre a prática corporal e a construção da identidade sexual.

Série Bailarinos I
"Pausa"
Têmpera sobre papel (32x44cm)
2010


Os novos trabalhos que apresento no Blog abordam esse cruzamento de fronteiras, de alguma forma, na mesma intenção dos anteriores, nos quais explorei a linguagem metafórica das imagens de jogadores e lutadores. Nesses trabalhos, tenho buscado possibilidades de invisibilidade da imagem, explorando os planos de figura e fundo, o que de certa forma, representa a invisibilidade dos homens que rompem fronteiras inserindo-se nessa área de reserva feminina.


[1] BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

10 de setembro de 2010

E a luta continua...




"Golden Fall" 2010
Acrílica sobre tela 140 x 170cm
  
Após a execução da série "Lutadores" sobre papel e em pequeno formato, o último trabalho é uma hibridização de dois dos anteriores, realizado com acrílica sobre tela, em formato maior.

9 de setembro de 2010

Série Lutadores: novos trabalhos




Série Lutadores IV 2010
"S/ Título"
(Têmpera sobre papel 32x44cm)
  


Série Lutadores III 2010
"S/ Título"
Têmpera sobre papel 32x44cm
  

8 de setembro de 2010

Luta: um ritual na construção da masculinidade

A vivência de práticas corporais de contato físico como o futebol e as lutas têm sido interpretadas como um 'ritual de passagem' na socialização e transformação dos meninos em homens, 'machos' [1]. Suportar a dor e as lesões são elementos constituintes da identidade masculina, simbolizando a virilidade e honra entre aqueles que buscam ser mais fortes do que os demais na competição esportiva. Nessa arena, lutar é mais do que vencer o oponente. Enquanto verbo que indica combate ou ação a favor/contra algo, 'lutar' ancora sentidos associados à identidade masculina, contribuindo para que a inserção do homem na prática da luta possa ser interpretada como via de construção dessa identidade.




Série Lutadores I
"S/Título" 2010
(Têmpera sobre papel 32x44cm)
  




Série Lutadores II
"Queda"
(Têmpera sobre papel 32x44cm)
  

No processo criativo em andamento, minha investigação tem se debruçado sobre imagens de lutadores em ação. Especificamente a luta turca com óleo, uma espécie de luta greco-romana na qual os lutadores untam-se com óleo de oliva, dificultando a "pegada" do adversário e consequentemente, a queda no solo. A luta com óleo é o esporte mais popular do país e reúne milhares de lutadores no Kirkpinar Oil Wrestling Festival, um evento secular de três dias de duração, que ocorre desde o século XIV, mantendo viva a tradição de homenagear os guerreiros da antiguidade.

[1] DUNNING, E. O desporto como uma área masculina reservada: notas sobre os fundamentos sociais na identidade masculina e as suas transformações. In.: ELIAS, N. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992, p. 389-412.

Por uma interpretação "aberta" da imagem

Meu processo criativo, então, passou a abordar práticas corporais consideradas de reserva masculina [1], a saber: inicialmente o futebol e posteriormente a luta.

Tenho buscado explorar, a partir da metáfora, a polissemia produzida pela imagem, pois interpreto que não há uma “verdade” ou sentido a priori na linguagem (e na obra do artista), de forma a que a mesma tenha a intenção de dizer “isso ou aquilo” como algo “fechado” [2]. A produção de sentido se dá no dialogismo entre a intenção do autor/leitor (artista/receptor); depende da história de leitura de quem lê (observa a obra) a partir de uma lógica “aberta” e “plural” [3].

Nas artes visuais, esta interlocução, por vezes, se dá pela filtragem do crítico/a ou do curador/a. Sendo assim, apesar do artista ter uma intenção ao produzir a obra, tende a perder o controle sobre a polissemia que a mesma produz a partir da interpretação de seus receptores. Na produção de sentido da obra, deve haver interlocução entre a intenção do artista, as contingências espaço-temporais e as condições de aprendizagem do espectador [4].

[1] DEVIDE, F. P. Gênero e Mulheres no esporte: história das mulheres nos Jogos Olímpicos Modernos. Ijuí: Unijuí, 2005.
[2] ECO, U. Interpretação e superinterpretação. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2005.
[3] DANTO, A. Arte sem paradigma [1994]. Arte & Ensaios. Rio de Janeiro. Ano VII, n. 7, p. 198-202, 2000.
[4] SIMÃO, L. V. Da prática da arte à prática do artista contemporâneo. Concinnitas. Rio de Janeiro. Ano 6, v. 1, p. 142-157, 2005.

7 de setembro de 2010

Arte contemporânea, esporte e identidade de gênero

Na investigação atual, uma das questões que busco problematizar com o trabalho é a reflexão sobre como o esporte pode se configurar, paradoxalmente, como um espaço de culto à masculinidade hegemônica e ao comportamento homofóbico e também de legitimação de práticas sociais homoeróticas [que por ocorrerem na arena esportiva, não são contestadas pela sociedade heterossexista].

Embora a homofobia seja um mecanismo de controle da manifestação de afeto entre homens na sociedade contemporânea, o esporte providencia oportunidades para que eles se socializem e vivenciem situações de intimidade de forma legítima em alojamentos, vestiários, concentrações pré-competições, bares, entre outras situações nas quais há ausência feminina [1].

Nessa arena, a masculinidade heterossexual tende a ser construída coletivamente, a partir da prática de interpretar a homossexualidade e a feminilidade como "não-masculinas" [2] e hierarquicamente inferiores. No universo homossocial do esporte, a negação de qualquer impulso homoerótico é um elemento chave desta elevação da superioridade heterossexual. O esporte moderno é uma instituição genderizada, pois suas estruturas e valores dominantes refletem o medo e a necessidade de uma masculinidade ameaçada. O esporte simboliza a estrutura masculina de poder dos homens sobre as mulheres e finalmente, constitui e legitima uma organização social heterossexista da sexualidade.

O esporte - sobretudo aquelas modalidades consideradas bastiões da masculinidade - deve ser interpretado como instituição social que reflete questões sociais circulantes na sociadade contemporânea. Nesse contexto, como a arte contemporânea [especificamente a pintura] pode levantar questões sobre os mecanismos pelos quais esse paradoxo se manifesta, causando conflitos?


"Jogadores II" 2010
Acrílica sobre tela 100 x 70cm


"Jogadores I" 2010
(Acrílica sobre tela 138x50cm)

[1] LOURO, G. L. Pedagogias da Sexualidade. In.: Louro (org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Autêntica: Belo Horizonte, 2001. p. 7-34.
[2] MESSNER, M. A. Power at Play: sports and the problem of masculinity. Boston: Beacon Press, 1992.

EAV 2010.1 > Primeiras "pistas"...

A partir das primeiras observações sobre os trabalhos, busquei delimitar mais o projeto atual de investigação. Hoje estou refletindo como as artes visuais podem explorar as relações entre a identidade de gênero e o corpo na sociedade contemporânea, onde os sujeitos transpõem fronteiras de gênero e inauguram novas masculinidades e feminilidades, subordinadas àquelas hegemônicas.

O processo criativo vem direcionando a investigação para como as práticas corporais ancoram novos sentidos associados a essas identidades numa sociedade patriarcal, onde o esporte têm sido, paradoxalmente, uma instituição que ancora sentidos de uma masculinidade hegemônica e sinaliza a existência de outras masculinidades subordinadas. Ou seja: explorar como práticas corporais, interpretadas como instituições que reproduzem valores sociais circulantes, ancoram características dessa masculinidade “plural” e em (des)construção.

"Releitura de Alair I" 2010
(Técnica mista 23 x 31cm)
O início do projeto partiu de fotografias de Eadweard Muybridge [séc. XIX] e Alair Gomes [séc. XX]. O primeiro, inglês, pioneiro por no século XIX, produzir estudos sobre o movimento dos animais e seres humanos, fotografando em sequência, por exemplo, lutadores; enquanto o segundo, artista brasileiro, conhecido pelo vasto material fotográfico sobre o corpo masculino, produzido nas décadas de 1970-80.

"Releitura de Alair II" 2010
(Técnica mista 23 x 31cm)



O processo se iniciou a partir da confecção de desenhos (com impressão de carbono sobre papel, têmpera e fita adesiva) com vistas a explorar as possibilidades de abordagem do tema e posterior produção utilizando outros mediuns.


"Não meça altura antes de cair" 2010
(Técnica mista 23 x 31cm)

"Releitura de Alair III" 2010
(Técnica mista 23 x 31cm)


EAV 2010.1

Em 2010, ingressei no Módulo avançado de pintura, sob orientação dos professores Ivair Reinaldim e Daniel Senise. Após o período de experimentação em 2009, elaborei um projeto de investigação para direcionar a produção na EAV.

Optei por discutir as questões relacionadas às identidades de gênero e suas relações com o corpo na sociedade contemporânea. A identidade de gênero se constrói na interação de fatores internos, do sujeito; e externos, do meio social [1]; são múltiplas, transitórias e contingentes, com caráter instável, histórico e plural , rompendo a noção de “masculinidade” ou “feminilidade” como identidades fixas [2], pois o sujeito é responsável pela construção de sua identidade em termos de práticas socialmente sancionadas.

Identificamos uma cultura de consumo atrelada ao corpo que o supervaloriza, dimensiona e esquadrinha. No que tange à identidade de gênero masculina, a aparência do corpo contemporâneo ancora valores como virilidade, dominação, hierarquia, força e poder, construindo “anatomias de consumo”, presentes no cotidiano: brinquedos, TV, publicidade, jogos eletrônicos, desenhos e a prática corporal, que servem de material para minha investigação [3].



"Ônus patriarcal" 2010
(Acrílica sobre tela 140 x 180cm)
 
 
Os primeiros trabalhos de pintura apresentados no Módulo foram concebidos a partir da idéia de contestação da "masculinidade hegemônica", com imagens que abordavam o "ônus patriarcal", no sentido conferido por Bourdieu:
“o privilégio masculino é também uma cilada (...) impõe a todo homem o dever de afirmar (...) a sua virilidade (...) entendida como capacidade reprodutiva, sexual e social, mas também como aptidão ao combate e ao exercício da violência (...) o homem ‘verdadeiramente homem’ é aquele que se sente obrigado a (...) fazer crescer sua honra (...) na esfera pública” [4].

[1] CONNELL, R. W. Políticas da masculinidade. Educação & Realidade. Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 185-206, 1995.
[2] MESSNER, M. A. Power at Play: sports and the problem of masculinity. Boston: Beacon Press, 1992.
[3] FRAGA, A B. Anatomias de consumo: investimentos na musculatura masculina. Educação e Realidade. Porto Alegre, v. 25, n.2, p 135-150, 2000.
[4] BOURDIEU, P. A Dominação masculina. Bertrand: Rio de Janeiro, 1999. p. 64.

A EAV em 2009.2: experimentando

No segundo semestre de 2009, após o curso de “História da Arte Contemporânea”, visitei o MET, MoMA, New Museum e Whitney Museum, além de algumas galerias em Nova Iorque. Esse processo foi fundamental para compreender algumas informações sobre a produção artística relativa à arte moderna e contemporânea, por vezes "abstratas" quando visualizamos as obras impressas em páginas de livros de História da Arte, sem vivenciarmos o impacto da obra sobre o espectador, sobretudo em função de sua dimensão.


Ver in loco trabalhos clássicos de artistas modernos e contemporâneos que admiro, tais como: Duchamp, Man Ray, Oppenheim, Matisse, Picasso, Pollock, Newman, Rauschenberg, Johns, De Kooning, Warhol, Bacon, Baselitz, Hockney, Peyton, Basquiat, Rothko, Hooper, Freud, Kosuth, Beuys, Hesse, Richter, Saville... me fez repensar a pintura e explorar outros materiais, explorando as idéias de “tensão” e “limite” em novos trabalhos.


Sem Título (Técnica mista 30 x 50cm) 2009

"Como anda o seu desejo III" 2009
(Técnica mista 30 x 30cm)

"O que há de mim no outro I" 2009
(Técnica mista 20 x 20cm)

"O que há de mim no outro II"
(Técnica mista 20 x 20cm)

"Infância resguardada" 2009
(Técnica mista 40 x 60cm)

"In memoriam" 2010
(Técnica mista 40 x 60cm)

A EAV em 2009.1: experimentando

Ao iniciar na EAV, em 2009.1, produzi trabalhos "experimentais", sem uma linha de investigação definida. Minha intenção era me reaproximar da pintura, explorando diferentes temas e possibilidades de expressão através da figuração.




Família I - 2009 (Acrílica sobre tela - 130X145cm)
 



"Solidão" 2009
(Acrílica sobre tela 90 x 140cm)
 

Apresentação pessoal

Minha relação com a Arte iniciou na década de 1980, quando fui inscrito por meus pais em um curso de pintura óleo no ateliê de Consuelo Fabrino, em Curitiba [1985]. No ano seguinte, estudei pintura no ateliê de José Ramon e desenho com Ronaldo Antunes, em Teresópolis, quando interrompi as atividades.
Graduei-me em Licenciatura em Educação Física, me doutorando em 2003, realizando pesquisas na área de Estudos de Gênero no Esporte.
Retomei a pintura na Escola de Artes Visuais do Parque Lage [EAV-RJ] em 2009. Na EAV, ingressei no curso “Pintura II” (João Magalhães) e “História da Arte Contemporânea” (Pedro França), ampliando meus conhecimentos e ingressando numa zona de “desconforto” ao perceber a pluralidade de linguagens que a arte contemporânea possibilita, desde a efervescência das produções em Nova Iorque, nas décadas de 1950/60.
No mesmo ano, ingressei no curso “Processo Criativo” (Charles Watson), tendo acesso ao processo de alguns artistas contemporâneos brasileiros, além de receber informações sobre o processo cíclico de desconforto-criação-estabilidade necessário à produção artística.
Em 2010, ingressei no Módulo Avançado de Pintura (Ivair Reinaldim e Daniel Senise), com o objetivo de direcionar a produção a partir de um projeto de investigação alinhado com os aspectos que venho investigando na carreira acadêmica: os estudos de gênero no esporte.