2 de dezembro de 2011

GERHARD RICHTER E A FOTOGRAFIA [anotações]

No passado, os pintores iam para o ar livre para fazer esboços. Nós tiramos fotos. (...) Você tira uma foto e depois, se tiver sorte, descobre que ela deu origem a um quadro. Parece-me mais uma questão de acaso, tirar uma foto com a qualidade específica que valha a pena pintar (in.: OBRIST, 2009, p. 139; 152).



Muitos/as artistas contemporâneos partem da fotografia para produzirem suas pinturas, cada um/a por processos criativos singulares. A escolha de Gerhard Richter para produzir esse texto se dá pela visibilidade internacional de sua obra, assim como minha admiração pessoal pelo seu trabalho.

Richter nasceu em Dresden, no ano de 1932, em pleno regime nazista. Estudou na Kunstakademie, em Dresden [1953] e na Staatliche Kunstacademie, em Düsseldorf [1961-64]. Em 1962 começou a fazer quadros em séries, a partir de fotografias, com o uso de um projetor, época na qual entra em contato com o grupo Fluxus. O texto a seguir é uma síntese do discurso de Gerhard Richter sobre a fotografia enquanto elemento de seu processo criativo. É construído a partir de dois capítulos: OBRIST, Hans. U. Entrevistas: Vol. 1. Rio de Janeiro/Belo Horizonte: Cobogó-Inhotim, 2009. p. 127-158; e RICHTER, Gerhard. Notas, 1964, 1965. In.: FERREIRA, G.; COTRIM, C. (Orgs.) Escritos de Artistas. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. p. 113-119.

Kitchen chair, 1965
Óleo s/ tela
80 x 100cm
Para Richter, a fotografia é a única imagem que informa sobre a realidade de forma verdadeira, ao contrário do desenho e da pintura. É a imagem “mais perfeita”, absoluta, incondicionada, sem estilo, ou, como se refere, “um modelo”. Ao pintar uma fotografia cotidiana, que Richter considera “legítima” [como a que pomos nos porta-retratos ou na parede], diz que lhe confere universalidade, tornando-a exemplar. O artista afirma não ter paciência para pintar fotos em detalhes, como os foto-realistas, que causam a tradicional reação de encanto no espectador: “-É igual a uma foto!”. Richter gosta que as pessoas percebam que sua pintura provém de uma fotografia, mas que a mesma não foi trabalhosamente copiada ou duplicada como pintura, pois apesar da semelhança com a fotografia, o quadro não parece a sua cópia. Não há intenção de oferecer, no lugar da realidade imediata, a sua reprodução ou, nas palavras do artista, um second hand world. Nesse sentido, ao produzir uma pintura a partir de uma foto, seu trabalho “fica muito mais próximo do informal do que qualquer tipo de realismo” (RICHTER, 1964-65 in: FERREIRA, COTRIM, 2006, p. 113), pois a foto reproduz o objeto de forma distinta de uma pintura do mesmo objeto. Segundo Richter:

o aparelho fotográfico não reconhece os objetos, mas . (...) [no desenho] o objeto é reconhecido em suas partes, medidas, proporções (...). Trata-se de uma abstração que deforma a realidade e promove uma estilização específica. Quando, com o auxílio de um projetor, examinamos os contornos, circunscrevemos esse processo circunstancial. Não se rata mais de reconhecer, mas de ver e fazer (informalmente) o que não foi reconhecido. E quando não se sabe o que se faz, também não se sabe o que deve ser alterado ou deformado (Ibid, p. 116-117).

Sailors, 1966
Óleo s/ tela
150 x 200cm

Uma foto tem por função primordial informar sobre um acontecimento, mas também pode ser vista como um quadro; porém, com outro significado. Por partir de fotos, Richter ressalta como é prazeroso perceber que uma coisa sem importância presente numa fotografia pode resultar em uma pintura potente, sem ter que inventar nada e ainda poder subverter alguns pressupostos da pintura, como cor, composição, espacialidade.

O artista afirma que seus quadros se diferenciam pela técnica. Richter não acrescenta ou retira nada das imagens fotográficas que utiliza para produzir a sua pintura, evita o excesso de atividade manual e utiliza o que denomina uma “técnica racional” porque, segundo ele, pinta de forma semelhante a uma câmera fotográfica. Para ele, interessam os planos, passagens, sucessões de tons, espaços; renunciando às intervenções ou alterações. O artista dissolve os limites e cria transições em fluxo entre planos, sem destruir a imagem original proveniente da fotografia, mantendo o seu conteúdo. Nas palavras do artista:

Borro para (...) tornar tudo igualmente importante e desimportante. (...) para que o quadro não tenha uma aparência artificial-artesanal, mas técnica, lisa e perfeita. (...) para que todas as partes se interpenetrem. Talvez eu também limpe assim o excesso de informação sem importância (Ibid, p. 117).

Swimmers, 1965
Óleo s/ tela
200 x 160cm

À medida que pinta quadros a partir de fotos, afirma que não se referem mais a uma situação determinada, carregando novos significados e informações: “quadros que são passíveis de interpretação e contém um sentido são quadros ruins” (IBID, p. 116). Segundo o artista, a foto se refere à espacialidade real, mas ao pintá-la, surge uma espacialidade especial, resultante da tensão entre o apresentado pela foto e o espaço do quadro.

O fato de eu pintar a partir de fotos (...) não é nada peculiar. Todos os que usam fotos ‘pintam’ de alguma maneira a partir delas. Se isso acontece com o pincel, fazendo uma colagem, com serigrafia ou papel fotográfico não é importante. (...) Me encanta dominar desse modo uma foto que vem parar nas minhas mãos. (...) eu gostaria de torná-la válida, visível, de fazê-la (...) é por isso que volto sempre a pintar a partir de fotos (...) me encanta estar entregue a algo dessa maneira, controlar tão pouco uma coisa. (Ibid, p. 115)

Após ler e reler esses textos, finalizo essas anotações retomando uma das falas de Richter sobre a pintura no clássico “Notas 1964-65”: Falar sobre pintura não tem nenhum sentido. À medida que se comunica algo com linguagem, altera-se o comunicado. Constroem-se essas qualidades que podem ser faladas e destroem-se aquelas que não podem ser faladas, mas que sempre são as mais importantes (Ibid, p. 119).

26 de outubro de 2011

ENTREVISTA ao site ART & ARTE

Abaixo, divulgo entrevista publicada hoje, no site ART&ARTE, concedida ao amigo Marcio de Oliveira Fonseca [editor]. A entrevista traz algumas imagens de trabalhos recentes [2011] e aborda um pouco de minha recente trajetória nas Artes Visuais [2009-2011]: influências, processo criativo e algumas reflexões sobre o cenário das Artes Visuais no Brasil.

http://arteseanp.blogspot.com/2011/10/conversando-sobre-arte-entrevistado_26.html

11 de outubro de 2011

Notas sobre Vilém Flusser e a "Filosofia da Caixa Preta"

FLUSSER, V. Filosofia da Caixa Preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo: Hucitec, 2011.

I. A imagem
Para o autor, imagens são superfícies que pretendem representar algo, traduzindo processos em cenas, tendo origem na capacidade de abstração [ou imaginação]. Podem ser interpretadas como uma mediação entre o homem e a realidade. Num scanning, o observador vagueia sobre a superfície da imagem, encontrando significados resultantes de duas intencionalidades: do seu produtor [emissor] e do seu espectador [receptor]. Imagens oferecem, então, um espaço interpretativo, onde o olhar do espectador circula e focaliza elementos centrais e secundários – de acordo com suas intencionalidades – construindo um contexto de relações e o que o autor denomina “consciência mágica”. Flusser adverte, entretanto, que ao invés de se servirem das imagens, os homens têm vivido em função delas, caracterizando uma idolatria e esquecendo o motivo da sua produção: orientá-los no mundo. Com o advento da escrita linear no segundo milênio a.C., surgiu o que o autor chama de “consciência histórica”, capaz de “rasgar” as imagens, significando o mundo [ou a realidade] indiretamente. A escrita passou a ser um “meta-código” da imagem, um tipo de “legenda” que a decifra. Entretanto, o autor ressalta que a relação entre texto [conceituação] e imagem [imaginação] é dialética, pois embora textos possam explicar imagens de forma conceitual, “rasgando-as”; imagens podem ilustrar textos, afim de “remagicizá-los”, fazendo com que a conceituação do texto e a imaginação da imagem se reforcem mutuamente. A partir da crise dos textos pelo que o autor denomina de “textolatria” e exemplifica com o esvaziamento do discurso científico, os textos não mais significam imagens, surgindo as “imagens técnicas”, aquela produzida por aparelhos [fotografia].

II. A imagem técnica

As imagens tradicionais são pré-históricas por precederem os textos [escrita], enquanto as imagens técnicas são pós-históricas por os sucederem. A aparente objetividade das imagens técnicas é ilusória, pois são símbolos abstratos que codificam textos em imagens. Interpretá-las é reconstruir os textos que significam. Entretanto, se na imagem tradicional havia um agente [pintor, desenhista, escultor] que se coloca entre a imagem e o seu significado, transferindo símbolos para superfície pela ação de sua mão; na imagem técnica, além do agente, há o aparelho [caixa preta] que se interpõe entre a imagem e o significado. Logo, a imagem técnica também é mágica, porém de forma distinta, uma vez que sucede a consciência histórica e conceitual do texto [escrita]. Segundo o autor, vivemos cada vez mais em função desta “magia imaginística” de segunda ordem, pois construímos práticas e representações a partir de tais imagens. Se a “magia pré-histórica” das imagens tradicionais, ritualizava mitos/modelos; a “magia pós-histórica”, da imagem técnica, ritualiza “programas” elaborados por “funcionários”, que preparam seus receptores para um “comportamento mágico programado”. Tais imagens substituem a consciência histórica pela consciência mágica de segunda ordem e a capacidade conceitual pela capacidade imaginativa de segunda ordem. Se os textos foram inventados no momento de crise das imagens [tradicionais], no intuito de ultrapassar a idolatria; as imagens técnicas foram inventadas no momento da crise dos textos, no intuito de superar a “textolatria”. Por fim, Flusser sugere que com o advento da imprensa e da escola obrigatória, se constituiu uma cultura ocidental fragmentada em três ramos: o pensamento conceitual “hermético”, inacessível ao senso comum; o pensamento conceitual “barato”, consumido pelo proletariado; e a imaginação marginalizada pela sociedade, constituída pelas imagens reunidas em museus e exposições. A função da imagem técnica é reunificar essa cultura, reintroduzindo as imagens no cotidiano, tornando imagináveis os textos herméticos e tornando visível a magia sob os textos baratos. Entretanto, para Flusser, as imagens técnicas têm falseado o conhecimento científico [hermético], substituído as imagens tradicionais ao invés de reintroduzi-las; e não tornado visível a magia subliminar dos textos baratos, substituindo-a por outra. Hoje, tudo tende a se tornar imagem técnica: o ato científico, artístico e político eterniza-se pela fotografia ou o filme.

IV. O gesto de fotografar
Um “movimento de caça” na “floresta da cultura” é como Flusser define o gesto de fotografar: um “gesto caçador”, onde aparelho e fotógrafo são uma unidade. Para o autor, o fotógrafo contesta as intenções de sua cultura; logo, “decifrar” fotografias pressupõe decifrar condições culturais dribladas, que não estão na superfície da imagem. As categorias fotográficas são espaço-temporais, tendo como centro o “objeto fotografável”, cercado de pontos de vista. Tais categorias estão inscritas no “programa do aparelho” e são manipuláveis pelo fotógrafo, que as escolhe por conveniência, ou seja, o aparelho funciona de acordo com as intenções do seu agente, ainda que estejam limitadas pelo número de categorias disponíveis no aparelho. Logo, é uma escolha “programada”. O fotógrafo só pode fotografar o “fotografável”, o que está inscrito no aparelho, não podendo fotografar processos. Entretanto, recorre a critérios alheios ao aparelho: estéticos, políticos, epistemológicos, manipulando seu output. Isso se dá pelo gesto técnico, que obriga o fotógrafo a transcodificar sua intenção em conceitos, codificados em imagens. Logo, fotografia é um ato conceitual, porque é técnico; é imagem de conceito transcodificado em cena. O fotógrafo constantemente se detém em dúvidas fenomenológicas e hesita quando se depara com o limite de uma categoria fotográfica, pois percebe outros pontos de vista acessíveis no programa. Assim, sua práxis é “programada”, por agir dentro das categorias do aparelho; e “pós-ideológica”, por reconhecer a possibilidade de escolhas em detrimento de um único ponto de vista. O gesto fotográfico é decisivo e apenas uma série de fotografias é capaz de revelar a intenção do seu autor, pois o produto final – imagem técnica – é resultante de uma série de decisões, não podendo ser identificada na superfície de uma fotografia isolada.

2 de outubro de 2011

LOUISE BOURGEOIS - "O retorno do desejo proibido" MAM/RJ

Ingressar na exposição de Louise Bourgeois, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ) é uma experiência impactante. A atmosfera soturna do primeiro salão da exposição e as primeiras esculturas anunciam ao espectador a força da obra da artista, nascida na França em 1911. Desenhos, pinturas, esculturas e instalações realizadas com diferentes materiais [mármore, borracha, bronze, papel etc.] tecem um diálogo denso com a teoria psicanalítica, as relações parentais, o corpo, a sexualidade e os estados de espírito, como agressão e medo. A exposição traz um catálogo em dois volumes, um deles dedicado aos escritos provenientes dos diários da artista, encontrados entre 2007 e 2010, onde Bourgeois estabelece relações entre sua obra - sobretudo a escultura - e a psicanálise. Abaixo, algumas imagens da exposição.

Maman
Bronze, 1999

Sono II
Mármore, 1967

Jano suspenso com jaqueta
Bronze e pátina, 1968

A destruição do pai
Gesso, látex, madeira, tecido, luz - 1974

Casal
Tecido, 2001

Sete na cama
Tecido e aço inox, 2001

Arco da histeria
Bronze, 1993

19 de setembro de 2011

Gênero, corpo, erotismo e masculinidades [Abertura da ArtRIO, 2011]

Leo Ayres
Série "Manual"
2011
LIZ NEAL
"Adam"
Bordado


THIAGO MARTINS DE MELO
Acrílica s/ tela

MIGUEL BONNEVILE

NORBERT BISKY
Óleo s/tela

18 de setembro de 2011

Bienal do Mercosul - Geopoéticas [Cais do Porto, POA/RS, 2011]

Entrada da Bienal do Mercosul
Cais do Porto, POA/RS, 2011
GEOPOÉTICAS


Edgardo Aragón
Tinieblas, 2009
Vídeo
Young-Hae Chang Heavy insdustries [Coletivo]
Cunnilingus in North Korea, 2005.
Vídeo

Luis Romero
Cielo, 2011
Instalação

María Elvira Escallón
Nuevas Floras del Sur, 2011.

Lais Myrrha
Onde nunca anoitece, 2009
Instalação

Paulo Climachauska
Complexo do Alemão, [passaporte, 2011.

16 de setembro de 2011

A pintura de Marcelo Amorim, em Jogos de Guerra [Caixa Cultural] - Série Iniciação

Pela relação com as práticas corporais, divulgo no Blog algumas pinturas do artista goiano Marcelo Amorim, especificamente da Série Iniciação. Conheci a pintura de Marcelo em 2010, na exposição Paralela, que ocorre durante a Bienal de São Paulo. Recentemente, tive o prazer de rever a série com maior número de trabalhos, na exposição Jogos de Guerra [Caixa Cultural/RJ], com curadoria de Daniela Name. Com uma pintura de pouco contraste, matéria ou textura, a partir de uma opacidade e transparência que "dilui" as imagens, o artista apresenta o que parecem fragmentos de memória de aulas de Educação Física e/ou práticas de ensino de esportes.
















27 de agosto de 2011

P r o c e s s o

Em outubro de 2010, postei algumas notas sobre o processo criativo do artista, referentes a um curso realizado na EAV/Parque Lage [2009], com o professor Charles Watson. Retomando aquelas notas hoje, decidi postar algumas imagens do processo do trabalho atual. Uma das características desse processo contínuo é o desconforto e a infelicidade na maior parte do tempo. O prêmio é o prazer de descobrir algo novo no processo - uma faísca - que nos dirige a um entendimento mais ampliado e reflexivo do mesmo.






19 de agosto de 2011

Retomando a pintura

Após a desmontagem da exposição HÍBRIDOS, é tempo de retomar o processo nos trabalhos em pintura sobre craft da investigação atual. Observo que os últimos trabalhos vinham levantando novas interrogações e indicando aberturas.
Inicialmente, as relações entre o corpo, as práticas corporais e a masculinidade, aos poucos, tem se modificado em alguns aspectos: as últimas imagens que seleciono são provenientes de fotografias fora do contexto das práticas corporais e voltadas à esfera privada; ao contrário das até então utilizadas, passam de uma imagem em movimento/ação para uma imagem estática/passiva; e convidam o espectador a pensar num momento de reflexão, introversão, silêncio, limites.
Após alguns trabalhos em craft, posto, então, um dos últimos trabalhos, feito em acrílica sobre tela.

S/ Título
Acrílica sobre tela
139 x 139cm
2011


13 de agosto de 2011

O corpo no Musée Rodin, Centre G. Pompidou, L'Orangerie, Musée D'art Moderne de la Ville de Paris

O abraço
Pablo Picasso (1881-1973)
1903

Adolescentes
Pablo Picasso (1881-1973)
1906

A dança
Henri Matisse
Óleo sobre tela [355 x 391cm]
1931-1933

Nude in the bath
Pierre Bonard
Óleo sobre tela [93x147cm]
1936
Henri Matisse
"The back I-IV'
1909-1931

Man Ray


Martin Kippenberger
Sem título
1992

Marlene Dumas

O pensador
Auguste Rodin
Bronze
1880

"The three shades"
Auguste Rodin
Bronze
1881-1886