Textos

Texto de Jozias Benedicto, sobre individual "Não-lugares", RJ, 2016

"Não-lugares


(…) ao centro, uma pequena elevação de terreno. Declives moderados à esquerda, à direita e à frente. Do lado de trás, declive abrupto. O máximo de simplicidade e simetria.
  Luz crua.
     O pano de fundo (…) representa a fuga e o encontro, ao longe, de um céu sem nuvens com uma planície nua.
Samuel Becket, Dias felizes


O artista Fabiano Devide, em seus trabalhos apresentados na exposição Não-lugares, envolve o espectador em universos que, à semelhança dos espaços de Becket, falam do desamparo do homem na atualidade, em um mundo hostil onde é impossível qualquer tentativa de comunicação e de transcendência. Ao se identificar com os personagens (presentes ou sugeridos) dos trabalhos do artista, os espectadores,  como os protagonistas de Dias felizes, estão condenados a vagar eternamente, sem passado e sem futuro, em cenários do provisório, do anonimato, do não-pertencimento. São os não-lugares, conceito proposto pelo antropólogo francês Marc Augé: espaços de passagem, territórios do efêmero, da impessoalidade e da solidão, marcas do mundo contemporâneo. 

Na tela de 2015 The observer, a identificação do espectador com o personagem é imediata. Cinza, preto e azul. Percebemos o azul como céu; um edifício cinza, curvo, visto em perspectiva ascendente; e o teto desse edifício, visto a partir de “aberturas”, campos negros nos muros cinzentos; neste teto há uma abertura, através da qual se vê uma nesga do céu sem nuvens. O personagem é apenas uma silhueta em preto “à frente” do cinza, imaginamos que olha para cima, para o pedaço de céu entrevisto através da fenda no teto da edificação; mas talvez esta silhueta seja apenas uma sombra ou um buraco na parede. O olhar do espectador penetra por esta figura negra e se coloca de imediato “dentro” do espaço da pintura, é ele é quem procura o céu e ao mesmo tempo sente a pequenez de quem só consegue perceber a realidade mediado por sua representação. Fabiano constrói este jogo de paradoxos que prende o espectador e o faz pensar.

  
Nos trabalhos da série Locus o artista captura o olhar do espectador com as perspectivas vertiginosas e elementos muito simples, a mesma paleta contida e o tratamento chapado que torna quase indistinguível o que é tinta e o que é suporte (nas pinturas sobre brim), ou o que é pintura e o que é colagem. Já nos trabalhos da série Blocos, os personagens são esboçados, contornos apenas sugeridos com parcos traços; e o campos azuis, que nas outras pinturas eram frestas, se transformam em blocos nos quais as figuras se apoiam ou com os quais interagem. Mas em todos os trabalhos aqui mostrados, o espectador, prisioneiro do espaço pictórico, torna-se o habitante anônimo do não-lugar.

 No Rio de Janeiro de hoje, onde a gentrificação se expande criando uma cidade de fantasia para visitantes provisórios, Santa Teresa é certamente um “lugar”, um bairro que resiste e mantém suas características históricas. Em uma casa de época, bem típica da região, reformada com amor e respeito aos materiais tradicionais, a contundência dos trabalhos de Fabiano é ampliada. 


O espectador não pode deixar de notar o contraste entre os planos escuros chapados dos ambientes das pinturas e colagens do artista e as paredes em tijolos maciços e o piso em parquet em madeiras nobres do ambiente expositivo. E o artista tira proveito desse contraste, ao incluir na mostra uma intervenção site-specific em uma das altas portas da casa, criando nela um campo de cor, referência direta a seus trabalhos e que, rompido, abre para um jardim  lateral com um caramanchão.

Em seus trabalhos o artista Fabiano Devide constrói metáforas com personagens vazios presos em espaços anódinos, nos envolvendo e aprisionando. Os cinzas e negros dos não-lugares, porém, apresentam fissuras através das quais a cor e a poesia apontam para possíveis rotas de fuga, rumo a lugares de plenitude, como o pássaro de Amanhecer para Quintana, voando livre rumo aos primeiros raios de luz da aurora".

Jozias Benedicto*, curador
Outubro de 2016

*Jozias Benedicto, nascido em São Luís (Maranhão), é artista visual, escritor premiado e um dos editores da coleção "Pensamento em arte", da editora Apicuri, no Rio de Janeiro 



Entrevista ao site COOOSMO Arte Contemporânea






Fabiano Devide


    
395873_457513507615039_1653840299_n                
O trabalho de Fabiano Devide se desenvolve ao redor de um tema central: o corpo, as questões de gênero e o comportamento humano. Fabiano é professor adjunto do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro, onde desenvolve pesquisas na área de Estudos de Gênero no âmbito do esporte no Brasil. Após anos construindo uma vida acadêmica sólida, Fabiano retomou os estudos nas artes visuais, desenvolvendo sem pressa sua linha de pensamento plástico, que conversa com as experiências vividas em seu cotidiano ou sua profissão. O professor e artista nos recebeu em seu apartamento, em Botafogo, onde mantém seu ateliê.
Cooosmo – Conte um pouco sobre sua formação e seu início nas artes visuais.
Fabiano Devide - Eu comecei a pintar aos 11 anos, em Curitiba. Na escola, gostava das aulas de educação física e educação artística, nas quais me destacava. Meus pais então me matricularam no ateliê de pintura a óleo da artista Consuelo Fabrino, um curso de certa forma “acadêmico”. Olhávamos as fotos de uma pintura e tentávamos reproduzí-la numa tela pequena. Foi minha primeira aproximação com a atividade artística de forma sistemática, mas sem muito compromisso. Depois nos mudamos para Teresópolis e lá eu entrei para o ateliê de pintura do artista José Ramon, momento que também comecei a ter aulas de desenho com o artista plástico Ronaldo Antunes. As aulas eram mais organizadas e tínhamos um encontro semanal que tratava de uma técnica diferente: desenho a carvão, aquarela, pintura com acrílica… Mas paralelamente, aumentava meu envolvimento com as práticas esportivas e acabei me dedicando mais nesta área. Foi quando ingressei no curso de Educação Física na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a arte  ficou em segundo plano. Segui a carreira acadêmica, fiz mestrado e doutorado e passei a fazer uma investigação na área de Estudos de gênero no esporte, uma área relativamente nova no Brasil.


Cooosmo – E do que trata exatamente esse estudo?
FD – São estudos que visam discutir as relações entre os sexos na sociedade, atravessadas por relações de poder. Nesse contexto, me interessa o processo de construção das identidades de gênero masculina e feminina, especificamente, no contexto do esporte. Existem uma série de conflitos e preconceitos nessas relações no âmbito do esporte, principalmente no caso de mulheres que se inserem em áreas de reserva masculina e vice-versa.
Cooosmo – Em que momento você retomou as práticas artísticas?
FD – Quando me mudei para o Rio, conheci amigos que passaram pelos cursos do Parque Lage. Frequentemente visitava a casa dessas pessoas, via o que elas produziam e me sentia seduzido. Então pensava que um dia iria me organizar para voltar à atividade artística.  Nessa época eu trabalhava em duas universidades privadas, além de lecionar nas redes públicas de ensino do estado e do município, ou seja, não tinha tempo para me dedicar à arte. Em 2010, fiz um concurso para a UFF. Aprovado, comecei a me organizar para retomar o lado artístico.
Na verdade, em 2009 eu já tinha entrado no Parque Lage e já vinha sofrendo um processo de contaminação. Meu olhar estava mudando e sentia que perdia a ingenuidade em relação ao que eu entendia como arte. O primeiro curso que fiz, de Pintura II com João Magalhães, me estimulou  a olhar outros artistas e estar nas aberturas de exposições aqui no Rio, pois ele sempre cobrava o que havíamos visto durante a semana para “sensibilizar” o olhar. Além disso, nas aulas dele existe a prática de levarmos os trabalhos que  produzimos para discutirmos os processos entre todos/as. Como eu não tinha lastro de teoria e História da Arte, senti que precisava estudar. Passei a comprar livros e fazer cursos teóricos, como o do Processo Criativo, com Charles Watson; e História da Arte Contemporânea, com Pedro França…
Nessa época, fiz uma viagem para NY e ao estar diante de tudo  que via e discutia nas aulas, meus horizontes se abriram. Passei a encarar o trabalho artístico com mais dedicação. Durante o Módulo avançado de pintura, curso que fiz com Ivair Reinaldim e Daniel Senise, iniciei uma investigação plástica direcionada, ou seja, passei a ter objetivos mais claros. Resolvi tratar no contexto da pintura, de questões que eu discutia no meio acadêmico. No início tive certa resistência a isso, mas tentei criar um diálogo entre as duas áreas. Comecei a desenvolver um trabalho que tinha como objetivo explorar as relações entre gênero e identidades masculinas nas práticas corporais. Queria problematizar com a pintura, a questão do cruzamento de fronteiras: a luta como uma área de reserva masculina, mas que produz cenas que podem gerar uma interpretação plural; e a dança, que historicamente é uma área da reserva feminina, na qual os homens se inserem e por vezes, enfrentam uma série de preconceitos.

Série “Dançarinos” - Acrílica sobre papel craft - 2011

Depois deste estudo, desenvolvi uma série que eu chamei de “Silêncios”, no âmbito do curso Experiência Pintura, com Suzana Queiroga. Considero este momento um divisor de águas na minha recente trajetória, quando meu trabalho, de fato,  passou a amadurecer e desenvolver uma linguagem. Os personagens que apareciam nos trabalhos anteriores em posturas ativas de luta ou de dança, começaram a aparecer sozinhos, estáticos, numa situação de reflexão e numa atmosfera fria. A paleta de cores do trabalho começou a se direcionar para os tons de cinza e azul…

Série “Silêncios” – Acrílica s/ tela – 2011

No fim daquele ano de 2011, durante o período de recesso do Parque Lage, produzi alguns desenhos com impressão de carbono e quando retornei às aulas comecei uma série nova que mantinha essa a paleta de cores (cinza e azul) ainda com os personagens num certo isolamento, mas agora também em situações de confinamento. Os personagens começaram a aparecer em ambientes fechados e a arquitetura passou a fazer parte das minhas investigações. Depois de desenvolver esses trabalhos passei a enviá-los para diversos salões e em 2011 começaram a ser selecionados. Essa série – “Janelas” – já participou do 18º Salão Unama de Pequenos Formatos, em Belém/PA; do 42º Novíssimos, na Galeria Ibeu/RJ; na Coletiva Casa_Arte Contemporânea/RJ; e recentemente, do 12º Salão Nacional de Jataí, no Museu de Arte Contemporânea/GO.

Série “Janelas” - Guache sobre papel - 2012

Cooosmo – E como consequência…
FD – Como consequência, busquei manter duas frentes de trabalho: continuo com a investigação dessa série que eu chamo de “Janelas”, e retomei a pesquisa das práticas corporais, ainda discretamente. Comecei a observar algumas posturas dos atletas, ainda relativas ao tema da identidade masculina, que acho, os associam a uma condição de imortalidade ou do herói. Adquiri algumas fotografias que representam essas cenas no futebol e estou começando a intervir nelas com “máscaras”, para falar sobre questões como a memória e o desaparecimento (ou a morte). Essas máscaras dão a impressão de que essa figura masculina se esvai com o tempo. Tem uma relação com a questão do vanitas na história da pintura, pois simbolizam o apagamento da memória, o apagamento da imagem do herói personagem da fotografia que passa a ser anônimo. A ideia é fazer com que o espectador se projete nessa imagem e reflita sobre a questão da efemeridade da vaidade, da efemeridade da vida… Essa reflexão, na realidade, não é recente no meu trabalho. Fiz um trabalho semelhante em 2009, com intervenções em fotos antigas de família. Uma questão importante no meu processo é que não me preocupo em ter uma produção constante de trabalhos físicos, porque muitas vezes apesar de não estar pintando, a cabeça está pensando. Tem alguns artistas que desenham muito antes de conceber, eu gosto de escrever sobre o trabalho, meu processo é mais reflexivo, talvez pela minha trajetória como pesquisador na vida acadêmica.

Trabalhos em andamento…

Cooosmo – O meio acadêmico contribuiu para você se transformar num artista mais organizado e metódico?
FD – Na verdade não é uma questão de organização, são tentativas de relatos. Escrever sobre o processo antes de desenhar para mim é muito importante, pois entendo melhor o que estou fazendo, desenvolvo um discurso. Mas para outras investigações o desenho é a melhor ferramenta. Por exemplo, agora estou tentando transformar os desenhos da série “Janelas” em objetos tridimensionais, que é uma coisa que eu nunca fiz. Para esses casos é importante projetar, desenhar. Comecei construindo caixas-projeto de papel cartão imaginando diferentes ambientes, mas agora estou fazendo o inverso: a partir do ambiente tridimensional presente nos desenhos vou construindo essas espécies de maquete dos espaços.

Cadernos do artista…

Cooosmo – É um processo como o de um projeto arquitetônico?
FD – Exatamente. Só que eu não sou arquiteto, então algumas coisas só percebo na hora da execução. Por exemplo, essa caixa aqui, eu construí sem projetar, mas ao executar, percebi que para ter a inclinação igual à do desenho, teria que colocar sobre uma base, o que acabou dando um peso ao objeto final que não programei…
Cooosmo – Sobre a paleta de cores do seu trabalho, a presença constante do azul e esse quê de penumbra…
FD – Uma fantasmagoria. Isso é intencional. Porque nos desenhos dessa série eu não preencho os personagens. Todo campo do espaço, do chão e das paredes é preenchido com tinta e dos personagens não, exatamente para falar do esvaziamento, daquele sujeito anônimo que está retratado ali e a não atribuição de nenhuma identidade a ele.

Trabalhos da Série “Janelas” - Acrílica s/ tela - 2012

Cooosmo – Voltando um pouco ao trabalho das máscaras…
FD – Esse trabalho ainda é um estudo, não sei ainda onde vai dar. São fotografias que eu comprei na feira de antiguidades do MASP, em SP e que eu gostei porque esses jogadores são anônimos para mim. Investiguei as décadas pelos uniformes e descobri que são de 1940, do futebol paulista. Escolhi fotos em que os jogadores estivessem olhando para câmera. Essas fotografias me fizeram lembrar do filme Sociedade dos Poetas Mortos, da cena que o professor leva os alunos na sala de troféus e eles olham para as fotos dos jogadores de rugby que já estão mortos. Mas eu não queria apagar a imagem desses sujeitos que foram eternizados. E comecei a prestar atenção nos vestígios de apagamento que estão no próprio papel fotográfico, nas manchas, e pensei em usar o azul para ressaltar esse desgaste do papel.


Cooosmo – E quanto ao processo de materialização das idéias?
FD – No início pesquisava imagens na internet, principalmente durante esta fase da investigação das questões das práticas corporais relacionadas às masculinidades. Depois de algum tempo, passei a fazer fotos de cenas cotidianas que eu flagrava com meu celular e que dialogavam com a minha investigação, pois me sentia contaminado com o trabalho e onde quer que fosse e presenciasse essas cenas, sentia necessidade de captá-las. Mas quando passo a cena para o desenho, retiro o contexto espacial e permanece só o personagem na sua posição original. É como se sobrasse só sua alma. E entra aí a questão da arquitetura, do ambiente fechado. Acho que na verdade não existe uma zona de conforto, estou sempre em desequilíbrio. O artista precisa estar aberto ao acaso para escapar do controle daquilo que estava projetando, porque muitas vezes é ali que está a potência da criação. É você estar pensando o tempo inteiro sobre seu trabalho, estar com o caderninho no bolso para registrar os insights que tem ao caminhar pela rua, ao fazer uma viagem, ao conversar com uma pessoa, brincar com seu filho, namorar… Você tem que estar aberto e estou tentando fazer isso.
Cooosmo – E por que os títulos “Janelas” e “Silêncios”?
FD – Eu sinto muita dificuldade em nomear um trabalho. Durante o período do mestrado e doutorado recebi orientação acadêmica de um linguista e trabalhei muito com análise do discurso. A linguagem é sempre contextualizada: trata de alguém que fala de algum local social para uma audiência específica, num contexto específico. Tudo isso gera interdições no discurso, a partir de mecanismos de controle e poder sobre o que você pode ou não dizer e o que pode ou não significar. O processo de significação da imagem é muito similar a um discurso. O trabalho em uma galeria, ou em um museu, ou em um espaço não institucional funciona de maneiras diferentes. Então eu acho que na dificuldade de nomear cada trabalho, eu tendo a dar um nome para uma série de trabalhos, porque de alguma maneira o meu maior desejo é que exista uma interpretação plural da imagem que estou produzindo. Me interessa que o espectador olhe e pense em algo, se identifique de alguma maneira com a imagem. Eu acho que o título da obra muitas vezes direciona a interpretação e, não que seja uma regra, mas de alguma forma cria um certo véu sobre a interpretação que ele teria se não tivesse um título associado à obra. Muitos trabalhos meus não têm título, justamente para proporcionar essa liberdade.

Série “Janelas” - Acrílica s/ tela - 2012

Cooosmo – Conte um pouco sobre sua atuação no mundo institucional.
FD – Para mim, isso não é uma questão problemática, justamente porque a minha profissão e formação iniciais são em outra área. Minha renda não depende da minha produção artística ainda. Isso me dá certa tranquilidade e liberdade para produzir quando eu sinto vontade e necessidade. Produzir no sentido de concretizar: fazer uma pintura, um desenho e não ter a pressão institucional por trás, dizendo que eu tenho que produzir tantos trabalhos a cada mês e apresentar numa galeria porque tem gente querendo comprar e tem fila de espera e tal. Por outro lado, meu trabalho artístico tem intenções e uma delas, sem dúvida, é que as pessoas possam ver essa produção. Para isso, ou esses trabalhos tem que estar num salão, num espaço institucional, ou numa galeria. Senão você começa a acumular trabalhos e não tenho nem onde guardar. Ainda não mantenho um ateliê fora, uso um cômoda minha casa para produzir e armazenar. Isso muitas vezes é complicado, porque sinto vontade de trabalhar com grandes formatos ou produzir simultaneamente vários trabalhos e não posso. Isso acaba freando o processo. Mas acredito também que o ateliê do artista não precisa ter 100 metros quadrados. O ateliê está na cabeça. Quando entrei em 2009 no Parque Lage, observava muito a ansiedade de alguns colegas em estarem em galerias, participarem de salões, venderem trabalhos e viverem da arte. Isso acaba frustrando muitas pessoas, que perdem a empolgação por causa do tempo do processo e abandonam. O que estou tentando fazer é conciliar. Minha vida acadêmica foi um projeto planejado e hoje estando numa universidade pública, separo um tempo para produzir sem ansiedade. As pessoas na universidade sabem que me dedico à arte e alguns acompanham meu processo, indo nas exposições que participo ou até mesmo me convidando para falar sobre diálogos possíveis entre Esporte e Arte, como neste momento, que inicio a escrita de um livro sobre a temática com o colega Victor Melo, da UFRJ. Acho que isso também me potencializa como professor porque abre outros canais como a sensibilidade e a percepção que são fundamentais à docência. A arte educa e sensibiliza.


Quanto ao vínculo institucional no campo da Arte, ingressei no FaceArte, uma plataforma virtual que comercializa obras de Arte de forma pioneira em 2011. No ano seguinte, passei a ser representado pela Galeria Luiz Fernando Landeiro, em Salvador/BA; e em 2013, pela Galeria Orlando Lemos, em Belo Horizonte/MG. O processo, geralmente tem sido das pessoas conhecerem meus trabalhos em exposições, feiras ou pelo meu site. Fazem contato, conhecem o portifólio, visitam o ateliê e surgem os convites. A internet facilita muito essas relações. Construí um blog para escrever sobre meu processo criativo e compartilhá-lo com outros artistas em 2010, mas a coisa não funcionou como imaginava e de um projeto de portifólio, o site foi tomando vida própria: comecei a escrever sínteses de textos de história e crítica da arte que lia e passei a mostrar menos meus trabalhos nas postagens. Também publico sobre trabalhos de artistas que abordam a temática do esporte ou do gênero, dessa forma compartilho com meus alunos da universidade e outros artistas que se interessam por esta investigação. Com isso, o blog começou a funcionar de outra forma.
Acredito que depois de quatro anos de atividades as coisas estão começando a acontecer. É tudo uma questão de tempo e dedicação. Um artista não se faz em um ou dois anos. Há pouco tempo assisti um documentário sobre o Gehard Richter que apresenta o seu processo criativo. Quando você compara as pinturas dele de 20 anos atrás com o que ele faz hoje, você entende o processo de transformação que o artista passou até chegar na pintura abstrata… E ele levou trinta anos para chegar onde chegou…
Acesse o site do artista para conhecer mais sobre seu trabalho!



42 Novíssimos, Galeria IBEU/RJ
"A pesquisa de Fabiano Devide inicialmente explorava as relações entre corpo, gênero e práticas corporais, com foco nas masculinidades e nos esportes. A partir dessas investigações, os trabalhos indicaram aberturas. Os rígidos instantaneos de corpos ativos, em movimento, deram lugar a uma aura silenciosa e introspectiva para corpos passivos, estáticos, em reflexão. Organizados em dípticos ou trípticos, os trabalhos apresentam figuras sem identidade que provém de fotografias produzidas pelo artista no seu convívio pessoal. Os cantos marcados e as formas de janelas azuis recorrentes surgiram no momento em que o silencio que guia sua atual produção encontrou reverberação na discussão sobre arquiteturas opressoras, intensificando as sensações de desaceleração, contemplação e espera além de tangenciar a morte, a passagem do tempo e a espiritualidade"

BERNARDO MOSQUEIRA, 42 Novíssimos, Galeria IBEU/RJ, julho 2012.



Entrevista cedida ao site Art&Arte
http://arteseanp.blogspot.com/2011/10/conversando-sobre-arte-entrevistado_26.html

Conversando sobre Arte com Fabiano Devide
 

Fabiano Devide tem excelente formação acadêmica e é pesquisador na UFF, na área de Educação Física. Certamente as experiências vividas e esses conhecimentos acumulados durante sua carreira foram fundamentais para construção de sua obra madura em pintura. Certamente seus alunos serão beneficiados com essa conjugação de conhecimentos. Vive e trabalha no Rio de Janeiro e é representado pela FaceArte. Fabiano, obrigado pela participação e sucesso na carreira.

 
 
Fabiano, fale algo sobre sua vida pessoal.
Nasci em Florianópolis, em 1974. Transitei por cidades do Sul do país - Blumenau, Porto Alegre e Curitiba - em função da profissão de meu pai, que retornou ao Rio de Janeiro com a família na segunda metade da década de 1980. Nesse período, cursei o ensino fundamental e médio, me interessando pelas atividades relativas às Artes e aos Esportes. No campo profissional, cursei Licenciatura em Educação Física na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro [1992-96], seguindo carreira acadêmica posterior, com mestrado [1997-99] e doutorado [1999-2003] em Educação Física e Cultura, desenvolvendo pesquisas em Estudos de Gênero. Atualmente sou professor adjunto Instituto de Educação Física da Universidade Federal Fluminense (IEF/UFF), onde leciono e desenvolvo pesquisas na área dos Estudos de Gênero.

Como foi sua formação artística?
Minha relação com a Arte iniciou em 1985, quando meus pais me inscreveram no curso de pintura óleo do ateliê de Consuelo Fabrino, em Curitiba. No ano seguinte, continuei estudando pintura no ateliê de José Ramon e desenho com Ronaldo Antunes, em Teresópolis, quando interrompi as atividades. Retomei as atividades somente em 2009, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV/Pq. Lage), no Rio de Janeiro. Cursei “Pintura II”, com João Magalhães, por um ano, onde tive liberdade para me reencontrar com a pintura e recebi rica orientação. Em atividades paralelas, cursei “História da Arte Contemporânea”, com Pedro França; “O Processo Criativo”, com Charles Watson; e o “Módulo avançado de pintura”, com Ivair Reinaldim e Daniel Senise, onde iniciei um projeto em investigação que mantenho no curso de “Experiência em Pintura II”, com Suzana Queiroga. Também participo do Grupo de Estudos de Ivair Reinaldim, onde as leituras sobre Arte e Filosofia, História da Arte e Crítica de Arte têm conferido maior densidade à investigação em termos conceituais relativos ao processo criativo.

Você tem pós graduação em Educação Física, o que motivou a mudança para arte?
Tenho proximidade e prazer pela Arte desde a infância, mas afastei-me por escolhas que fiz na adolescência, relacionadas à prática do esporte de competição e posteriormente, pela escolha profissional. Após cerca de doze anos cursando estudos na área de Educação Física e me consolidando profissionalmente na vida acadêmica, organizei meu cotidiano para retomar atividades que me dão enorme prazer, como a pintura. Quando ingressei na EAV, já conhecia a dinâmica organizacional da instituição, assim como sua relevância na formação de artistas brasileiros. A atuação no meio acadêmico, sobretudo no contexto da pesquisa, contribui para manter as leituras sobre Arte paralelas ao fazer artístico. Sendo assim, há muito discurso teórico por trás do que tenho produzido em pintura e em projetos rascunhados que ainda não executei, mas que dialogam com os Estudos de Gênero nos quais produzo pesquisa no âmbito acadêmico.

Que artistas influenciaram seu pensamento?
Gosto do trabalho de diversos artistas: Duchamp, Matisse, Picasso, Pollock, Rauschenberg, Jasper Johns, De Kooning, Warhol, Baselitz, David Salle, Marlene Dumas, Basquiat, Rothko, Hooper, Kosuth, Barbara Kruger, Jenny Holzer, Beuys, Eva Hesse, Sam Taylor Wood, Bourgeois, Cildo, Adriana Varejão, Gerhard Richter, Jenny Saville, Cecily Brown, Alex Kanevsky, Yam Pey-Ming. Outros artistas que tenho pesquisado por possuírem trabalhos com diversos mediums, e tangenciarem a temática da investigação atual, são os brasileiros Leonilson, Alair Gomes, Alex Flemming, Gil Vicente, Marcelo Amorim, Fábio Barolli, Fábio Carvalho; além de David Hockney, Eric Fischl, Lucien Freud, Rainer Fetting, Francis Bacon, Oldrich Kulhanek, Paul Cadmus, Mapplethorpe, Elizabeth Peyton, Collier Schorr, Yvon Goulet, Duane Michals, Cole Robertson, David Trullo, Dimitri Yeros, Chrstian Schoeler, Philip Gladstone, Fereydoun Ave, Frank Gabriel, Gerhard Hintermann, Gianluca Chiodi, Hugo Dalton, Ivar Kaasik, Jean-Ulrick Désert, Jonathan Webb, Marc Waylan, Roberto Rincón, Tania Kandratsenka, Zachari Logan, Tibor Hajas, Ion Grigorescu, Janos Sturcz, Jaam Toomik, Robert Flynt, Apóstolos Georgius, Rene Bachrach Cristofic.

Além do estudo de arte o que ajuda na elaboração dos seus trabalhos?
Minha história de leitura no campo dos Estudos de Gênero influencia diretamente a investigação atual. A questão norteadora que problematizei [mas vem se ampliando] estava relacionada às práticas corporais que se configuram, paradoxalmente, como um espaço de construção da masculinidade hegemônica, e de produção de imagens com teor homoerótico. Como a arte contemporânea [a pintura] pode levantar questões sobre os mecanismos pelos quais esse paradoxo se manifesta no cotidiano? O processo criativo partia de imagens de práticas corporais consideradas áreas de domínio masculino [futebol/luta] e feminino [dança], explorando a sua polissemia. Nesse sentido, compartilho de que não há uma “verdade” ou sentido a priori na obra do artista, optando por interpretá-la como “fluída”, no sentido conferido por Zygmund Bauman; de forma que a mesma não tenha a intenção de dizer algo “fechado”, pois essa produção de sentidos ocorre no diálogo entre a intenção do artista e a história de leitura do espectador, a partir de uma lógica “aberta” e “plural”, conforme a argumentação de Danto. Por isso busco uma pintura que possa despertar no espectador mais do que a primeira leitura, presente em sua superfície.

Como você descreve seu trabalho como artista?
Tenho me dedicado prioritariamente à pintura. Penso que meu trabalho de pintura está na “infância”, em amadurecimento e processo, necessitando foco e dedicação. Trabalho a partir da apropriação de imagens – uma característica da obra de artistas contemporâneos sobre a qual tenho refletido com mais atenção. A maioria das pinturas surge de fotografias, que “coleciono” e organizo a partir das possíveis relações com as questões da minha investigação. As imagens provêm, majoritariamente, da web, mas podem ser provenientes do cotidiano: o jornal diário, uma revista, uma cena que fotografei numa viagem, uma fotografia que alguém me deu. Meu processo utiliza a manipulação digital da imagem, sua impressão sobre papel, um desenho sobre transparência a partir da imagem impressa e a projeção desse desenho. Nesse processo, a imagem inicial é subtraída em diversos elementos, de acordo com minhas intenções em relação ao trabalho, no intuito de potencializar as questões inerentes à investigação no campo das questões de gênero, corpo e masculinidades.

Qual sua opinião sobre os salões de arte? Algumas sugestões para aperfeiçoá-los?
Hoje interpreto os Salões de Arte como uma estratégia de ingresso dos novos artistas no cenário das Artes Visuais [que também incluí as galerias], no intuito de conferir visibilidade ao seu trabalho, tanto em nível local, como nacional. Entretanto, é notório que “novos artistas” [iniciantes], enfrentam dificuldades para tal inserção, por não terem participado de Salões anteriormente. Entretanto, não considero uma regra que todo artista deva estar nos Salões como um “passaporte” para sua inserção no cenário das Artes Visuais. A Arte pode –e deve – ocupar espaços que extrapolem o Cubo Branco, no sentido de diálogo com outros públicos que também consomem arte, de formas distintas, por outros “canais”, que não a galeria, o museu ou os eventos como uma Bienal. Vide o advento das galerias virtuais, como o FaceArte, da qual faço parte. Esse também foi um dos motivos pelo qual optei realizar minha primeira exposição individual – Híbridos - num espaço não institucional: Galeria Café. Outro caminho possível para novos artistas tem sido a participação em exposições coletivas organizadas por instituições, como a própria EAV/Parque Lage o faz; ou organizadas por um coletivo de artistas, em espaços alternativos, como os próprios ateliês. Vide o exemplo da Fábrica Bhering, recentemente.

O que você pensa sobre as Bienais e Feiras de Arte?
Acho que as Bienais e Feiras de Arte têm objetivos distintos e devem existir. Em recente visita à Bienal do Mercosul, em Porto Alegre; e à Feira ArtRio, percebi as particularidades cada evento, em termos de montagem, público, objetivos etc. José Roca, em seu texto intitulado “Duodecágolo”, lista vinte características de uma Bienal de Arte, entre as quais, a de número 12: “Uma Bienal não é uma feira de arte: Os artistas não devem estar isolados cada um no seu espaço como se fosse um estande de feira comercial. Suas obras devem estar em um diálogo espacial; esse texto resultante é o que denominamos curadoria”. Feiras são relevantes e têm o seu papel no comércio da arte, desde que nós, personagens que ocupam esse cenário em diferentes posições sociais e relações de poder [artistas, críticos, galeristas, curadores etc.], tenhamos uma reflexão crítica sobre a expressão de cada um dos eventos, distanciando-nos, por exemplo, da idolatria, no sentido conferido por Vilém Flusser; e de certo grau de fetichismo em relação às imagens circulantes na arte contemporânea, que numa “sociedade do espetáculo”, assumem projeção planetária, o que inclui, também, o valor conferido à obra de arte [mas isso é outro debate].

Você escreve sobre seu trabalho?
Passei a escrever sistematicamente sobre o meu trabalho em 2010, no Módulo Avançado de Pintura, sob a orientação de Ivair Reinaldim. Naquele momento, construí um projeto de investigação a ser desenvolvido no ano e, pela primeira vez, assumi a responsabilidade de interlocução entre a minha produção acadêmica e as Artes Visuais. Construí um Blog [www.fabianodevide.blogspot.com] onde passei a postar imagens e textos sobre meu processo criativo, no intuito de compartilhá-lo com outros artistas interessados em debater sobre seus processos. Atualmente, o Blog tem se tornado um espaço mais amplo, onde cada vez menos posto imagens e textos sobre meu trabalho, optando por postar notas sobre textos teóricos que leio, imagens de exposições, Feiras e Bienais que visito e tenham relações com minha investigação.

É possível viver de arte no Brasil?
O cenário das Artes Visuais no eixo SP-RJ está em expansão se comparado com a década anterior. Basta comparar o número de galerias que existem hoje no Rio e inclusive estão abrindo filiais na capital paulista. Mas é preciso cuidado ao associar a expansão de espaços que comercializam arte, com a conseqüente venda de obras de artistas, pois ainda é comum assistirmos galerias que não se sustentam no mercado e artistas que abandonam suas profissões e após alguns anos tentando viver do trabalho com a Arte, retomam antigas atividades. Nesse cenário, os mais persistentes e com um trabalho denso, tendem a se inserir e prosperar. Mas são necessárias condições para que o artista possa se dedicar integralmente a sua obra - um privilégio de poucos. Outra possibilidade que alguns artistas têm seguido é a vida acadêmica, a partir dos cursos de mestrado e doutorado em Artes Visuais. No meu caso, tento conciliar os horários do trabalho na universidade com os horários do meu tempo livre, o que muitas vezes significa sacrificar o lazer para estar pintando, pesquisando referências, lendo ou pensando sobre o trabalho, o que faço com prazer.

O Brasil já tem condições de concorrer no mercado internacional de arte?
Poucos artistas brasileiros estão inseridos no mercado internacional com visibilidade. Temos expoentes com expressão, como A. Varejão, B. Milhazes, Ernesto Neto, Cildo, Oiticica, M. Schendel. É gratificante estar visitando instituições no exterior e se deparar com a obra de um brasileiro/a. Mas são exceções que não retratam a realidade dos milhares de artistas e do mercado de arte Brasil. É preciso refletir sobre o escasso incentivo às Artes Visuais no país, que se inicia na infância, nas escolas, onde o componente curricular das Artes não recebe a devida relevância na formação dos alunos/as. Isso se reflete num público que não valoriza a Arte, não será consumidor de arte, não buscará instituições para se deparar com a experiência estética de olhar e sentir uma obra de arte. A realidade de alguns museus no exterior é de filas diárias para acessarmos seus acervos [MoMA, D’Orsay, Prado, Pompidou ou Louvre são alguns exemplos], enquanto no Rio e São Paulo, o MAM e o MASP, apesar de um acervo representativo e de sediarem exposições internacionais importantes, estão esvaziados de espectadores. Recentemente, visitei a exposição de Louise Bourgeois, no MAM/RJ num Domingo, a maior parte do tempo sozinho ou em companhia de três ou quatro pessoas. Se a mesma exposição estivesse no Centre Pompidou, receberia um número infinitamente maior de visitantes. É um problema social e cultural, com raízes mais profundas e que merecem um debate ampliado que não cabe aqui.

Quais são seus planos para o futuro?
Na vida profissional, após vários anos lecionando em escolas públicas e depois em universidades privadas, estou num momento de “colher frutos” na universidade pública, o que permite me organizar para um pós-doutorado em Estudos de Gênero nos próximos anos. No campo das Artes Visuais, pretendo manter os estudos e o diálogo com professores e artistas que possuem um processo que dialoga com o meu. Considero que visitar os eventos [exposições, Bienais e Feiras] é uma experiência importante na formação. No mais, busco construir um trabalho denso e, sobretudo, sincero com meus objetivos, independentemente do mercado.

O que faz nas horas vagas?
Tenho o hábito quase diário de tomar chimarrão, quando reservo um tempo de contemplação onde “resolvo” diferentes questões do cotidiano, incluindo-se a pintura. Sou um cinéfilo e por residir em Botafogo, acompanho as estréias semanalmente. Gosto de visitar minha família, em Teresópolis. Pratico exercício físico regularmente, sobretudo nadar na piscina ou em águas abertas, pois é um momento de “esvaziamento”. Adoro música, desde assistir a um show de música popular brasileira ou Jazz, comparecer às rodas de samba tradicionais do Rio, como na Rua do Ouvidor, no Bip Bip, em Copacabana; ou na Pedra do Sal, na Gamboa; assim como sair para dançar com amigos nos fins de semana, ao som de música eletrônica. Por fim, tento me organizar para viajar e dedicar parte desse tempo para ver obras dos artistas contemporâneos internacionais que mais gosto.

Espaço livre para considerações.
Quero agradecer o seu convite e parabenizar sua iniciativa em destinar um espaço ao discurso dos artistas sobre os seus trabalhos e suas interpretações sobre o cenário das Artes.





Afinidades (a escolha do artista)
Release, por Fábio Carvalho [artista e organizador] 

A Caza Arte Contemporânea apresenta Afinidades (a escolha do artista). Com organização do artista plástico Fábio Carvalho, a exposição coletiva conta com dez artistas participantes (seis brasileiros e quatro portugueses). Conduzido pelo afeto, Fábio Carvalho produz um recorte muito particular sobre o universo (artístico) que o circunda. O público pode conferir a exposição a partir do dia 07 de março.
Chancelando uma espécie de curadoria afetiva, o artista plástico Fábio Carvalho, responsável pela organização da exposição, convidou artistas amigos para participarem da coletiva. Mas, para além das relações pessoais, há a afinidade estética. E é exatamente aqui que as obras se alinham e se aproximam, dependentes que são das possibilidades do sintagma ‘delicadeza’. Assim, todas as obras expostas passeiam pela ideia de delicadeza – seja afirmando sua presença ou negligenciando-a com firmeza. Seis artistas brasileiros (Clarissa Campello, Efrain Almeida, Fábio Carvalho, Fabiano Devide, Mônica Rubinho e Sidney Philocreon) e quatro portugueses (David Rosado, Rui Effe, Rute Rosas e João Lima) compõem a mostra. Afinidades tem sua abertura no dia 07 de março, às 19h, e fica na Caza Arte Contemporânea até dia 30 de março.
Clarissa Campello - O Beijo
óleo sobre tela - 140 x 80 cm - 2009
A exposição
Afinidades (a escolha do artista) partiu de um convite de Raimundo Rodriguez, diretor da galeria Caza Arte Contemporânea, ao artista plástico carioca Fábio Carvalho, para que este organizasse um projeto de ocupação da galeria com seus próprios trabalhos e de artistas convidados.

David Rosado - EvolMonkey
técnica mista
Fábio Carvalho, com 18 anos de carreira artística, 8 exposições individuais e mais de 60 exposições coletivas no curriculum, que em novembro do ano passado integrou dois importantes projetos de residência artista em Portugal, o primeiro chamado “Bordallianos Brasileiros”, na Fábrica de Faianças Artísticas Bordallo Pinheiro, e o segundo na tradicional Fábrica de Porcelana Vista Alegre, chamado “Projecto Artistas Contemporâneos”, convidou para esta exposição cinco artistas brasileiros, e quatro portugueses. Fábio Carvalho irá retornar em abril a Portugal, para mais uma residência artística na cidade do Porto, estreitando ainda mais suas relações com aquele país, que neste ano de 2012 celebre o “Ano do Brasil em Portugal”.
Fabiano Devide - série Janelas
guache sobre papel - 29,7 x 21 cm (cada) - 2012
Fábio Carvalho, sem necessariamente pensar em seu projeto como uma curadoria, no sentido de eleger um eixo conceitual que antecedesse a escolha dos artistas e dos trabalhos, preferiu fazer suas escolhas a partir de suas afinidades com os artistas, que aí então foram convidados para a exposição.
Fábio Carvalho - Macho Toy nº 52
reprodução de capa de livreto de fisiculturismo de 1926,
decalques florais, adesivos de borboleta - 41 x 33 cm
Talvez contagiado pelo espírito da galeria Caza Arte Contemporânea, que tem muito de uma verdadeira casa, onde o anfitrião Raimundo Rodriguez sempre recebe os artistas, suas obras e os visitantes das exposições como quem recebe os amigos em sua própria casa, Fábio Carvalho pensou a exposição como uma celebração aos amigos, ao prazer de estar junto. Os trabalhos se relacionam como num bate-papo descontraído entre amigos.
Mônica Rubinho - Série “Regular Dreams”
desenho sobre papel - 23 x 32 cm
Porém, apesar desta eleição afetiva dos artistas convidados, percebe-se um (dentre tantos outros possíveis) eixo comum nas obras selecionadas: a delicadeza, em várias formas e sentidos. Por vezes, a delicadeza é o próprio assunto do trabalho; em outras obras, a delicadeza é o anti-assunto do trabalho; elementos de delicadeza estão lá, mas num forte contraste, ou mesmo num enfrentamento, com a brutalidade, o que constrói a narrativa paradoxal apresentada. Há trabalhos em que a fatura é intensa e expressiva, mas a situação representada nos leva á percepção de intimidade e delicadeza. Há trabalhos onde a delicadeza se apresenta de imediato, mas com um pouco mais de observação, pressente-se que algo de muito errado está oculto, quase por acontecer.
Rui Effe -This is my body 1, 2 e 3
video - 2007
Este fio condutor surgiu de uma forma espontânea, natural, uma vez que não apenas em relação aos artistas, Fábio Carvalho também escolheu as obras de cada artista em função de suas afinidades, como artista e como indivíduo, com estas obras e o que estas lhe dizem.
Rute Rosas - Lava as tuas mãos nas minhas
fotografia - 25x25 cm - 2011
A Caza Arte Contemporânea
Criada há pouco mais de um ano, e localizada na Rua do Resende n°52, na Lapa - o corredor cultural carioca, a Caza Arte Contemporânea se destaca pela pouca quantidade de paredes, formando um espaço com múltiplas funções, híbrido por natureza, capaz de abrigar uma loja de objetos de arte, uma livraria, e, sobretudo, de abrigar o espaço amplo da galeria principal, juntamente com outra sala especialmente reservada para eventos audiovisuais.
A Caza é resultado do esforço e do perfil empreendedor do artista plástico Raimundo Rodriguez, que antes da Caza foi o diretor da Galeria Espaço Imaginário, também na Lapa, que durante dois anos desfrutou de atividades culturais intensas, e chegou a agrupar cerca de 350 artistas em diversas coletivas memoráveis, que aproximaram artistas das mais diversas linguagens, gerações e até mesmo países.

Sidney Philocreon - Sem Título
objeto - 2011
A Caza Arte Contemporânea surgiu com as mesmas convicções do Espaço Imaginário: revelar novos artistas e celebrar os artistas experientes, oferecendo ao público carioca a oportunidade de conhecer manifestações culturais de toda parte do Rio de Janeiro, do Brasil e do mundo, numa casa que sempre muda, em movimento constante, pós-moderno, sem direções preestabelecidas, itinerante.
Na Caza, o conceito de galeria é mais humanizado, torna-se intimista sem deixar de ser para todos – artistas e público, a casa acolhe, mas, também transporta. Basta entrar, sem bater.







Texto da exposição individual Híbridos (Galeria Café/RJ, 2011).


A investigação de Fabiano Devide aborda questões associadas ao corpo, gênero e identidades, com vistas a dialogar plasticamente com uma temática que inicialmente estuda no campo acadêmico da Educação Física, onde possui mestrado e doutorado; e posteriormente no das Artes Visuais. Vem participando de diversos cursos na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV) desde 2009, onde teve orientação de João Magalhães (Pintura II), Pedro França (História da Arte Contemporânea), Charles Watson (Processo Criativo), Ivair Reinaldim e Daniel Senise (Módulo Avançado de Pintura) e Suzana Queiroga (Experiência em Pintura II). Ao expor suas pinturas que tematizam as questões de gênero e identidade em um espaço alternativo ao circuito institucional de arte – o cubo branco da galeria - o artista busca ampliar o alcance de sua pesquisa. As pinturas que Fabiano expõe em Híbridos representam dois momentos de sua investigação (2010-2011). Atualmente os trabalhos exploram uma densidade cromática específica, a partir da fusão de etapas e camadas de cor, que colabora para a construção de um clima psicológico dramático. Os trabalhos apresentam imagens de práticas corporais de reserva masculina (luta), transpostas do suporte da fotografia para a pintura. Os corpos em movimento, fusão, dominação e submissão, ancoram sentidos de uma masculinidade hegemônica, que submete outras masculinidades, plurais, transitórias e contingentes. Esses corpos surgem em figuras híbridas, que exploram a continuidade e a fluidez da imagem, produzindo incertezas sobre onde começa e termina cada personagem, cujo vigor é reforçado pelo gesto vigoroso do artista, com pinceladas amplas que moldam espaços com sombras, congelando o tempo da vitória ou da derrota. Que lutas são estas, onde vencidos e vencedores se amalgamam? Que possibilidades existem para a construção de novas masculinidades, que não aquelas subordinadas à masculinidade hegemônica imposta? As pinturas de Fabiano não querem ser mero objeto de contemplação, mas discutir estas e outras questões com seus espectadores.
JOZIAS BENEDICTO, Editor da coleção ‘Pensamento em Arte’ (Editora Apicuri/RJ).