2 de junho de 2014

Futebol e Arte Moderna: reflexões iniciais às vésperas da Copa do Mundo de Futebol


Em 2010, escrevi no site sobre o esporte como tema mantido à margem da investigação e das reflexões da arte contemporânea: http://fabianodevide.blogspot.com.br/2010/11/na-semana-passada-participei-da.html
Umberto Boccioni
Dinamismo de um jogador de futebol
Óleo s/ tela
193,2 x 201cm
1913.

Gostaria de retomar o debate agora, no momento quando o esporte, notadamente o futebol, recebe atenção da sociedade em função da Copa do Mundo, a ocorrer este mês em diferentes estados do Brasil. Assim, em junho, buscarei postar alguns textos breves com os seguintes objetivos: i) abordar a presença do esporte e das práticas corporais diversas na Arte Moderna e Contemporânea, com foco na produção nacional; ii) refletir sobre as ações de instituições – galerias, museus, fundações etc. – na atenção às investigações artísticas que possuem o esporte ou o tangenciam como eixo norteador; e iii) analisar o papel do artista enquanto sujeito produtor de sentidos que podem tanto contemplar as demandas do mercado em momentos como o atual; quanto, através da sua investigação, promover uma reflexão sobre o mundo através do esporte enquanto tema de sua investigação.

Thomas Eakins
Abrindo contagem
Óleo s/ tela
264 x 234cm
1898
 
 
 
Alguns artistas modernos, como Édouard Manet[1], Peirre-Auguste Renoir[2], Henri de Toulouse-Lautrec[3], Winslow Homer[4], Thomas Eakins[5], Pablo Picasso[6], Umberto Boccioni[7], Amadeo Souza Cardoso[8] Vicente do Rego Monteiro[9], entre outros, abordaram o esporte e algumas práticas corporais nas suas obras na virada do século XIX para o século XX, quando este era um elemento cultural relevante em diversos países, incluindo o Brasil (MELO, 2009)[10].
 

Aqui, entre tantas modalidades esportivas, o futebol, especialmente, tem sido nomeado como o “ópio do povo” ou uma “paixão nacional”, uma expressão que circula no cotidiano pelos meios de comunicação e diferentes tipos de linguagem. Tais expressões podem ser interpretadas tanto no sentido de conferir ao futebol uma identidade nacional e um valor cultural relevante; quanto podem sugerir uma função de “anestesiar” a sociedade para os males que a afetam, alienando-a; ainda que ambos os aspectos não sejam mutuamente exclusivos e possa conviver juntos no cotidiano da sociedade brasileira. Já dizia a letra de Wilson Simonal[11], Aqui é o país do futebol:



“Brasil está vazio na tarde de Domingo, né?
 Olha o sambão, aqui é o país do futebol
 (...)
 No fundo desse país
 Ao longo das avenidas
 Nos campos de terra e grama
 Brasil só é futebol
 Nesses noventa minutos
 De emoção e alegria
 Esqueço a casa e o trabalho
 A vida fica lá fora
 Dinheiro fica lá fora
 A cama fica lá fora
 A mesa fica lá fora
 Salário fica lá fora
 A fome fica lá fora
 A comida fica lá fora
 A vida fica lá fora
 E tudo fica lá fora.”
 
Em contrapartida ao cenário europeu, os esportes em geral não surgem na produção artística brasileira no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX com a mesma recorrência. No auge do Modernismo, apenas alguns artistas como Castagneto, Almeida Júnior, Joaquim Miguel Dutra, Oscar Pereira da Silva e Benedito Calixto produziram obras com indícios dos esportes praticados na época pela sociedade brasileira, tais como a vela, o hipismo, o remo, o turfe, a patinação e as regatas. (MELO, op. cit.)

Vicente do Rego Monteiro
Goleiro
Óleo s/ painel
90 x 120 cm
1930
Segundo o autor, foi a partir da década de 1920, que o esporte aparece na produção nacional, pela primeira vez, com obras de Anita Malfatti[12], tematizando a ginástica; Vicente do Rego Monteiro, que produziu obras com imagens de lutas[13], o tênis[14], os atletas[15] e o futebol[16]; Cândido Portinari, que tematizou o futebol em diversas obras[17]; Francisco Rebolo[18] e Cícero Dias, que possui obras com a natação e o futebol[19]; todos representantes da Arte Moderna no Brasil. Ainda assim, enquanto tema, o esporte não possui a recorrência de outros, de maior relevância nas obras dos artistas da época.

Portanto, se no contexto europeu, o esporte surge nas obras de diferentes movimentos artísticos durante o Modernismo, no século XIX e início do século XX; no Brasil esse elemento cultural apareceu tardiamente, ainda que presente no cotidiano das elites desde o século XIX, com o turfe, o remo, o ciclismo, a natação, a esgrima e a ginástica enquanto práticas cotidianas, incentivadas com fins higiênicos e eugênicos (LUCENA, 2001[20]; DEVIDE, 2012[21]).

Enquanto objeto de investigação ou tema representado em algumas obras, o esporte e as práticas corporais diversas retornam em um segundo momento com maior frequência à produção artística nacional, no período demarcado pela passagem do Modernismo à Arte Contemporânea, nas décadas de 1960 e 1970, quando artistas brasileiros como Rubens Gerchman, Roberto Magalhães, Cláudio Tozzi, Glauco Rodrigues, entre outros, produzem obras durante o período da ditadura militar, muitas delas, tematizando o futebol.
 
[continua...]




[1] Corridas em Longchamp, óleo s/ tela, 43,9x84,5cm, 1866.
[2] Almoço no restaurante Fournaise (o almoço dos remadores), óleo s/ tela, 55,1 x 65,9cm, 1975.
[3] O ciclista Michaël (A corrente Simpson), 1896.
[4] Um jogo de croquete, óleo s/ tela, 60,3x87,9cm, 1866.
[5] Abrindo contagem, óleo s/ tela, 264x234cm, 1898 e Busto de homem (o atleta), óleo s/ tela, 92 x 73,3cm, 1909.
[6] Os boxeadores, caneta e tinta preta, 16,9x24,3cm, 1911.
[7] Dinamismo de um jogador de futebol, óleo s/ tela, 193,2x201cm, 1913.
[8] Os cavaleiros, óleo s/ tela, 100x100cm, 1913
[9] Tênis, óleo s/ tela, 1928.
[10] MELO, V. A. de. Esporte Lazer e Artes Plásticas: diálogos. Rio de Janeiro: Apicuri/Faperj, 2009. 209p.
[11] SIMONAL, W. Aqui é o país do futebol. Disponível em: http://www.vagalume.com.br/wilson-simonal/aqui-e-o-pais-do-futebol.html. Acesso em: 02 jun. 2014.
[12] “Torso/Ritmo (1915/1916), carvão e pastel s/ papel, 61x46,6cm.
[13] “Combate” (1927), óleo s/ tela.
[14] “Tênis”, (1928), óleo s/ tela.
[15] “Os atletas, (1930), óleo s/ Eucatex, 122x91cm.
[16] “Goleiro” (1930), óleo s painel, 90x120cm.
[17] “Jogo de Futebol em Brodowski”, (1933), óleo s/ tela, 49,5x124cm; “Futebol”, (1935), óleo s/ tela, 97x130cm; “Jogando Futebol” (1939), nanquim s/ papel, 15,5x16,5cm e “Futebol”, (1940), óleo s/ tela, 130x160cm.
[18] “Futebol”, (1936), óleo s/ tela, 86x36cm.
[19] “Mulher nadando”, (1930), aquarela e nanquim s/ papel, 67,3x51cm; “Goleiro”, (1920), óleo s/ tela.
[20] LUCENA, R. de F. O esporte na cidade. Campinas: Autores Associados/CBCE, 2001. 153p.
[21] DEVIDE, F. P. História das Mulheres na natação feminina no século XX: das adequações às resistências sociais. São Paulo: Hucitec, 2012. 302p.

Nenhum comentário:

Postar um comentário