Em 2010, escrevi no site sobre o esporte como
tema mantido à margem da investigação e das reflexões da arte contemporânea: http://fabianodevide.blogspot.com.br/2010/11/na-semana-passada-participei-da.html
Umberto Boccioni Dinamismo de um jogador de futebol Óleo s/ tela 193,2 x 201cm 1913. |
Gostaria de retomar o debate agora, no momento quando
o esporte, notadamente o futebol, recebe atenção da sociedade em função da Copa
do Mundo, a ocorrer este mês em diferentes estados do Brasil. Assim, em junho,
buscarei postar alguns textos breves com os seguintes objetivos: i) abordar a
presença do esporte e das práticas corporais diversas na Arte Moderna e
Contemporânea, com foco na produção nacional; ii) refletir sobre as ações de
instituições – galerias, museus, fundações etc. – na atenção às investigações
artísticas que possuem o esporte ou o tangenciam como eixo norteador; e iii)
analisar o papel do artista enquanto sujeito produtor de sentidos que podem tanto
contemplar as demandas do mercado em momentos como o atual; quanto, através da
sua investigação, promover uma reflexão sobre o mundo através do esporte
enquanto tema de sua investigação.
Thomas Eakins Abrindo contagem Óleo s/ tela 264 x 234cm 1898 |
Alguns artistas modernos, como Édouard Manet[1],
Peirre-Auguste Renoir[2],
Henri de Toulouse-Lautrec[3],
Winslow Homer[4], Thomas
Eakins[5], Pablo
Picasso[6],
Umberto Boccioni[7], Amadeo
Souza Cardoso[8] Vicente
do Rego Monteiro[9], entre
outros, abordaram o esporte e algumas práticas corporais nas suas obras na
virada do século XIX para o século XX, quando este era um elemento cultural
relevante em diversos países, incluindo o Brasil (MELO, 2009)[10].
Aqui, entre
tantas modalidades esportivas, o futebol, especialmente, tem sido nomeado como
o “ópio do povo” ou uma “paixão nacional”, uma expressão que circula no
cotidiano pelos meios de comunicação e diferentes tipos de linguagem. Tais
expressões podem ser interpretadas tanto no sentido de conferir ao futebol uma identidade
nacional e um valor cultural relevante; quanto podem sugerir uma função de “anestesiar”
a sociedade para os males que a afetam, alienando-a; ainda que ambos os
aspectos não sejam mutuamente exclusivos e possa conviver juntos no cotidiano da
sociedade brasileira. Já dizia a letra de Wilson Simonal[11], Aqui é o país do futebol:
“Brasil está vazio na tarde de Domingo, né?
Olha o sambão, aqui é o país do futebol
(...)
No fundo desse país
Ao longo das avenidas
Nos campos de terra e grama
Brasil só é futebol
Nesses noventa minutos
De emoção e alegria
Esqueço a casa e o trabalho
A vida fica lá fora
Dinheiro fica lá fora
A cama fica lá fora
A mesa fica lá fora
Salário fica lá fora
A fome fica lá fora
A comida fica lá fora
A vida fica lá fora
E tudo fica lá fora.”
Em contrapartida ao cenário europeu, os esportes
em geral não surgem na produção artística brasileira no final do século XIX e nas
primeiras décadas do século XX com a mesma recorrência. No auge do Modernismo, apenas
alguns artistas como Castagneto, Almeida Júnior, Joaquim Miguel Dutra, Oscar
Pereira da Silva e Benedito Calixto produziram obras com indícios dos esportes praticados
na época pela sociedade brasileira, tais como a vela, o hipismo, o remo, o
turfe, a patinação e as regatas. (MELO, op. cit.)
Vicente do Rego Monteiro Goleiro Óleo s/ painel 90 x 120 cm 1930 |
Segundo o autor, foi a partir da década de 1920, que o esporte aparece na produção nacional, pela primeira vez, com obras de Anita Malfatti[12], tematizando
a ginástica; Vicente do Rego Monteiro, que produziu obras com imagens de
lutas[13],
o tênis[14],
os atletas[15] e o
futebol[16]; Cândido
Portinari, que tematizou o futebol em diversas obras[17]; Francisco
Rebolo[18] e
Cícero Dias, que possui obras com a natação e o futebol[19]; todos
representantes da Arte Moderna no Brasil. Ainda assim, enquanto tema, o esporte não possui a recorrência de outros, de maior relevância nas obras dos artistas da época.
Portanto, se no contexto europeu, o
esporte surge nas obras de diferentes movimentos artísticos durante o
Modernismo, no século XIX e início do século XX; no Brasil esse
elemento cultural apareceu tardiamente, ainda que presente no cotidiano das
elites desde o século XIX, com o turfe, o remo, o ciclismo, a natação, a
esgrima e a ginástica enquanto práticas cotidianas, incentivadas com fins
higiênicos e eugênicos (LUCENA, 2001[20];
DEVIDE, 2012[21]).
Enquanto objeto de investigação ou tema
representado em algumas obras, o esporte e as práticas corporais diversas
retornam em um segundo momento com maior frequência à produção artística nacional, no período demarcado pela passagem do Modernismo
à Arte Contemporânea, nas décadas de 1960 e 1970, quando artistas brasileiros
como Rubens Gerchman, Roberto Magalhães, Cláudio Tozzi, Glauco Rodrigues, entre
outros, produzem obras durante o período da ditadura militar, muitas delas,
tematizando o futebol.
[continua...]
[1] Corridas em Longchamp, óleo s/ tela,
43,9x84,5cm, 1866.
[2] Almoço no restaurante Fournaise (o
almoço dos remadores), óleo s/ tela, 55,1 x 65,9cm, 1975.
[3] O ciclista Michaël (A corrente Simpson),
1896.
[4] Um jogo de croquete, óleo s/ tela,
60,3x87,9cm, 1866.
[5] Abrindo contagem, óleo s/ tela,
264x234cm, 1898 e Busto de homem (o atleta), óleo s/ tela, 92 x 73,3cm, 1909.
[6] Os boxeadores, caneta e tinta preta,
16,9x24,3cm, 1911.
[7] Dinamismo de um jogador de futebol, óleo
s/ tela, 193,2x201cm, 1913.
[8] Os cavaleiros, óleo s/ tela, 100x100cm,
1913
[9] Tênis, óleo s/ tela, 1928.
[10] MELO,
V. A. de. Esporte Lazer e Artes Plásticas:
diálogos. Rio de Janeiro: Apicuri/Faperj, 2009. 209p.
[11] SIMONAL,
W. Aqui é o país do futebol.
Disponível em: http://www.vagalume.com.br/wilson-simonal/aqui-e-o-pais-do-futebol.html.
Acesso em: 02 jun. 2014.
[12] “Torso/Ritmo
(1915/1916), carvão e pastel s/ papel, 61x46,6cm.
[13] “Combate”
(1927), óleo s/ tela.
[14] “Tênis”,
(1928), óleo s/ tela.
[15] “Os
atletas, (1930), óleo s/ Eucatex, 122x91cm.
[16] “Goleiro”
(1930), óleo s painel, 90x120cm.
[17] “Jogo
de Futebol em Brodowski”, (1933), óleo s/ tela, 49,5x124cm; “Futebol”, (1935),
óleo s/ tela, 97x130cm; “Jogando Futebol” (1939), nanquim s/ papel, 15,5x16,5cm
e “Futebol”, (1940), óleo s/ tela, 130x160cm.
[18] “Futebol”,
(1936), óleo s/ tela, 86x36cm.
[19] “Mulher
nadando”, (1930), aquarela e nanquim s/ papel, 67,3x51cm; “Goleiro”, (1920),
óleo s/ tela.
[20] LUCENA,
R. de F. O esporte na cidade.
Campinas: Autores Associados/CBCE, 2001. 153p.
[21] DEVIDE,
F. P. História das Mulheres na natação feminina no século XX: das adequações às
resistências sociais. São Paulo: Hucitec, 2012. 302p.
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