14 de junho de 2014

Esporte, Futebol e Arte Contemporânea em tempos de Copa do Mundo: reflexões sobre o papel das instituições e dos/as artistas



Leda Catunda
"Campeão III"
Tecido e tinta acrílica
2013
Nas postagens anteriores, apresentamos como o esporte ficou à sombra na produção da Arte Moderna e início da Arte Contemporânea no Brasil, em comparação com a presença desta temática, por exemplo, no continente europeu, no período do Modernismo. Para tal, destacamos alguns artistas brasileiros que produziram obras no início do século XX (1920-1940) e nas décadas da ditadura militar [1960-1980].

Como se posiciona a Arte Contemporânea neste contexto de manutenção do esporte à sombra de sua produção? Gostaríamos de destacar como o esporte poderia estar passando por um terceiro resgate na produção da Arte brasileira hoje; porém, a partir de uma reflexão crítica sobre as funções das instituições e do/a artista hoje. Este texto surgiu de uma reflexão sobre esta questão, potencializada com recente reportagem de um periódico carioca[1], que destacou o despreparo de nossas instituições culturais com a aproximação da Copa do Mundo de Futebol no Brasil, por não promoverem eventos – espetáculos teatrais, musicais, exposições de arte, entre outros – que tematizassem o futebol.

Aqui, nos debruçaremos sobre o campo das Artes Visuais e a suposta escassez destacada pela mídia impressa de eventos que abordem o esporte (e o futebol) como tema, para refletirmos sobre a sociedade contemporânea, em virtude do público presente no Brasil este mês criar uma demanda na busca de eventos sobre a modalidade que mais envolve a sociedade em nível planetário, acompanhando o futebol como praticantes amadores, atletas semiprofissionais, profissionais de diversas áreas e serviços (MURAD, 2012)[2]. Tais pessoas acompanharão o esporte pela mídia impressa, virtual e televisionada; além da presença nos estádios.

Cabe refletirmos, então, como poderemos encontrar este fenômeno mundial no campo das Artes Visuais? Ao contrário da escassez de eventos sobre futebol, suposta pela mídia, um breve levantamento nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo nos permitiu encontrar cerca de dez mostras individuais ou coletivas[3], montadas por ocasião da Copa do Mundo de Futebol. Entretanto, no contexto cotidiano da Arte Contemporânea no país, o esporte (ou o futebol) não é um tema encontrado correntemente em exposições pelo país afora, salvo em ocasiões como a atual.

Em nosso entendimento, eventos artísticos que tematizam o esporte enquanto elemento de reflexão, devem ultrapassar os limites dos calendários dos eventos esportivos, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos Modernos, fato que ocorre no Brasil nestes meses de junho e julho e será retomado em 2016. O esporte, enquanto instituição social que reproduz ou contesta os valores hegemônicos circulantes, precisa ser apropriado pela Arte Contemporânea de forma ativa, possibilitando aos espectadores/as pensarem o contexto no qual esta modalidade está inserida.

A título de exemplo, ao refletir sobre questões universais, como gênero ou raça, por que as Artes Visuais não podem explorar a exclusão das mulheres na sociedade a partir de sua exclusão no futebol, seja no países islâmicos, onde mulheres são proibidas de praticá-lo; seja em países onde a modalidade ainda se configura como uma área de reserva masculina, onde mulheres sofrem com preconceitos e enfrentam barreiras para sua inserção e permanência no esporte; ou, por fim, seja em relação ao preconceito racial e à violência presente nos campos de futebol?

Artistas que possuem uma investigação que utilize o esporte (ou o futebol) como eixo norteador, ou que o utilizaram em algum momento de sua produção, necessitam refletir sobre como suas obras são reconhecidas enquanto arte no cotidiano - seja através de sua inserção nas instituições, via salões e exposições; seja na sua comercialização, através de galerias - e não somente em momentos como o que passamos, no caso da Copa do Mundo, quando inúmeras instituições organizam eventos “temáticos” sobre o futebol. É relevante pensar sobre como estas instituições, por vezes, desvalorizam a produção artística que tematiza o esporte enquanto elemento de investigação nos demais períodos do calendário.

Apesar de algumas das exposições coletivas - enumeradas em nota desta postagem - reunirem dezenas de artistas que tematizam a “bola” ou o “futebol”, a Arte Contemporânea brasileira ainda não explora a produção existente entre artistas nacionais. Faz-se necessário que instituições, críticos/as, curadores/as, galeristas e artistas se debrucem sobre o esporte e o elejam enquanto elemento presente na obra de arte, não somente em tempos de Copa, mas no cotidiano de suas investigações. Assim, pensamos que a Arte pode alcançar um de seus objetivos: ser uma via de emancipação do espectador em relação à leitura crítica do mundo, a partir do consumo da Arte.

Para tal, os profissionais do campo das Artes Visuais precisam estar atentos não somente às oportunidades e convites que surgem em momentos como a Copa do Mundo de Futebol (2014), a Copa das Confederações (2013) e os Jogos Olímpicos (2016), na direção de comporem curadorias, escreverem textos críticos, montarem exposições ou serem aqueles/as que produzirão as obras: os/as artistas. É necessário construir uma reflexão sobre a real presença deste objeto na Arte Contemporânea hoje, conferindo visibilidade à produção de nossos/as artistas, que em algum momento se debruçaram sobre o tema do esporte e do futebol para produzirem obras significativas, em contextos específicos da história do país, tais como os já apresentados nas postagens anteriores; além daqueles que tem produzido novas obras, como já mencionamos em postagem neste site[4]: Nelson Leirner, Fernando Ancil, Frederico Dalton, Leda Catunda, Marina Reinghantz, Raul Mourão, Marcelo Amorim, Vik Muniz, Felipe Barbosa, Regina Silveira, entre outros/as.

Entretanto, nos parece que se de um lado, vários/as artistas investigam um fenômeno social como o futebol em suas produções desde o início da Arte Contemporânea, em meados da década de 1950 (ARCHER, 2008)[5]; as instituições não têm se interessado em catalogar, organizar e expor de forma significativa e contundente tal produção, além das datas relativas a eventos esportivos. Isso possibilitaria que os espectadores, não somente no momento histórico atual, quando o país sedia um evento que causa impactos políticos relevantes ao Brasil; mas de forma contínua, pudessem refletir sobre como o futebol, enquanto instituição, pode ser apropriado pela Arte Contemporânea de forma crítica e reflexiva, explorando, p. ex., o seu potencial educativo, por meio de projetos educacionais interdisciplinares que levassem estudantes para “consumirem” a Arte de forma orientada, com vistas à formação ampliada, emancipada e crítica de crianças e adolescentes, no que tange ao futebol, ao esporte e à arte como via para que tal objetivo fosse atingido.




[1] VELOSO, C. Procura sem oferta. O Globo, Segundo Caderno, Rio de Janeiro, p. 2, 11/05/2014.
[2] MURAD, M. Para entender a violência no futebol. Benvirá: Rio de Janeiro, 2012. 237p.
[3] Entre as exposições individuais e coletivas montadas nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, destacamos: “Futebol no campo ampliado” – Eduardo Coimbra, Paço Imperial, Rio de Janeiro. “Pelada” – Leonardo Finotti, Galeria Luciana Caravello, Rio de Janeiro. “Bola de Futebol” – Nicola Constantino, Casa Daros, Rio de Janeiro. “Heterotipia” – Priscilla Monge, Casa Daros, Rio de Janeiro. “Quadrado Mágico” – Felipe Barbosa, Galeria Sérgio Gonçalves, Rio de Janeiro. “Tatu: futebol, cultura, adversidade da caatinga” – coletiva, Museu de Arte do Rio (MAR), Rio de Janeiro. “Por cima do futebol” – Marcillio Gazzineli, Sociedade Fluminense de Fotografia, Niterói, RJ. “Futebol, paixão brasileira” – coletiva, Museu Internacional de Arte Naïf (MIAN), Rio de Janeiro. “Arte Naïf, a bola da vez” – coletiva, Centro Cultural dos Correios, Rio de Janeiro. “O artista e a bola” – coletiva, OCA-Ibirapuera, São Paulo
[4] DEVIDE, F. P. Futebol e arte contemporânea brasileira. Disponível em: http://fabianodevide.blogspot.com.br/2013/06/futebol-e-arte-contemporanea-brasileira.html Acesso em 14 jun. 2014.
[5] ARCHER, M. Arte Contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

6 de junho de 2014

Esporte, Futebol e Arte Contemporânea no Brasil: 1960-1980

Em 2012, ao assistir a palestra sobre Arte Contemporânea, Esporte e Gênero, com foco na Teoria Queer, proferida pela professora Jennifer Doyle[1] (Universidade da Califórnia), na Faculdade de Educação da UFRJ, a mesma destacou a Performance no campo do esporte, especificamente o futebol, com foco na participação das mulheres nesta área de reserva masculina. No debate com a palestrante, questionei a escassez de trabalhos de arte contemporânea que tematizassem as questões de gênero, utilizando o esporte como foco. Como exemplos dessa escassez, mencionei a Bienal de São Paulo e a exposição "Gender Check"[2], ambas ocorridas em 2010, esta última reunindo artistas contemporâneos da Europa Oriental, com obras com a temática de gênero.

Sobre a manutenção desta temática à sombra por instituições - museus, galerias etc., e pessoas envolvidas com a arte contemporânea - curadores/as, galeristas, professores/as e artistas, Doyle afirmou que tais instituições tem interpretado a temática como desinteressante, menos valiosa ou irrelevante para o campo das Artes Visuais.
“Campo de Jogo”
óleo s/ tela
245x209cm
1989
Fazendo uma analogia com o que ocorre, em geral, no campo acadêmico, onde também estou inserido, a produção do conhecimento na área das Ciências Humanas e Sociais, como a História e as Ciências Sociais, passaram a reconhecer o esporte, sobretudo o futebol, como rico suporte para efetuar análises e interpretações macro e microssociais, auxiliando na compreensão de aspectos políticos, culturais e históricos de nossa sociedade apenas recentemente, como a violência (MURAD, 2007) [3]. Entretanto, ainda conheço historiadores e sociólogos que não são bem vistos ao se debruçarem sobre o esporte - geralmente o futebol - enquanto tema de estudo e investigação pelas mesmas razões enumeradas por Doyle.

Resgatando, então, aspectos da postagem anterior, “Esporte e Arte Moderna: reflexões iniciais às vésperas da Copa do Mundo de Futebol”, e dando-lhe continuidade, gostaria de destacar alguns artistas brasileiros que tematizaram o futebol – e o esporte – em suas obras a partir da década de 1960, resgatado este tema no conjunto de obras que circularam naquele momento na arte contemporânea brasileira, que coincidiu com o início do período da ditadura militar.

“Pelé”
Liquitex s/ tela
120x120cm
1970.
De alguma forma, alguns destes artistas - Fúlvio Pannacchi[4], Cláudio Tozzi[5], Rubens Gerchman[6], Roberto Magalhães[7] e Cildo Meirelles[8] - vislumbraram o esporte e o futebol, especificamente, como um tema presente na sociedade da época, assim como o seu fenômeno junto à cultura das massas. Tais artistas produziram obras entre 1960 e 1980, período político conturbado, quando com o regime militar instituído, liberdades individuais foram cerceadas.


“A dança do futebol”
Acrílica e óleo s/  tela
245x190cm
1997
Desses artistas, Melo (2009)[9] faz menção a Claudio Tozzi, Roberto Magalhães e Rubens Gerchman, entre outros, como artistas brasileiros que participaram de exposições relevantes no período, como Opinião 65 e a II Bienal da Bahia, em 1968, fechada por militares e recentemente aberta em Salvador, após 46 anos de intervalo.

O autor destaca que Claudio Tozzi foi um representante da arte de combate e reflexão, utilizando diversas técnicas e suportes, apropriando-se de imagens da cultura de massa, como o tema do esporte, no qual produziu obras onde o futebol e o boxe estiveram presentes. Já Roberto Magalhães, se destacou com o Prêmio Aquisição I Jovem Gravura Nacional, com a obra “O atleta”, em 1964, na qual, como em outras obras que tematizaram o esporte, demonstrava seu fascínio pela figura do herói e ídolo esportivo.

“Os 99 heróis do estádio”
Nanquim e guache s/ papel
50x65cm
1965
Rubens Gerchman, por fim, foi um artista que produziu diversas obras sobre o esporte, com ênfase no ciclismo e o futebol; este segundo, representado como um elemento das massas, com sua narrativa crítica e denunciadora, ancorada nas dimensões sociológica e política da arte. Segundo Melo (op. cit.), em sua “fase negra” (déc. 1960), encontramos pinturas com multidões que cobriam a superfície das obras, das quais algumas versaram sobre o futebol, como “Os 99 heróis do estádio” e “Futebol Flamengo campeão”, ambas de 1965.
“Os super-homens”
acrílica s/ madeira
70x100cm
1965
Nesta década, o artista representou o futebol enquanto elemento social, utilizando-o como meio para promover uma crítica à massificação do ser humano na sociedade de consumo capitalista daquele momento. Entre as obras do período, destacam-se “Os super-homens”, de 1965; e “Futebol-linguagem”, de 1967; que estabelecem o diálogo entre imagens e fatos, de forma a tecer uma crítica aos ídolos construídos pela mídia (MELO, 2009).

No contexto da arte brasileira neste período, o esporte promoveu o debate sobre questões da sociedade contemporânea, como a cultura de massa e o culto ao herói e aos ídolos. A tematização do futebol na investigação de alguns artistas, neste cenário, indicou que este esporte era um fenômeno social apropriado pela arte, conferindo identidade ao conjunto da obra de alguns artistas, num contexto histórico específico: os anos da ditadura militar.

Importante sublinhar que se no período entre 1960-1980, encontramos um primeiro resgate do esporte (e do futebol) enquanto tema na arte contemporânea brasileira; encontramos a presença do esporte e do futebol em diversas obras de artistas contemporâneos da atualidade, tais como: Felipe Barbosa, Raul Mourão, Nelson Leirner, Fernando Ancil, Leda Catunda, Marina Reinghantz, Vik Muniz, Regina Silveira, entre outros/as. A presença do esporte e do futebol na Arte Contemporânea hoje, assim como a sua apresentação por instituições de arte é tema de nossa próxima postagem.


[1] http://fromaleftwing.blogspot.com/ Blog organizado pela professora Jennifer Doyle, que aborda, especificamente, as questões de gênero inerentes à participação das mulheres no futebol. No link "labels", é possível encontrar 15 posts onde a pesquisadora tece algumas interpretações em relação a como a Arte Contemporânea vem abordando a questão.
[2] MUMOK. Gender Check: femininity and masculinity in the Art of Eastern Europe. Cologne: MUMOK, 2010.
[3] MURAD, M. A violência e o futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje. Rio de Janeiro: FGV, 2007.  
[4] “Jogo de Futebol”, óleo s/ madeira, 10x13cm, 1979.
[5] “A luta”,  liquitex s/ tela, 84 x 84cm, 1970; “A dança do futebol”, acrílica e óleo s/  tela, 245x190cm, 1997; “Pelé”, liquitex s/ tela, 120x120cm, 1970.
[6] “Futebol-linguagem” [torneio início], acrílica s/ tela, grama plástica e silk-screen, 200x200cm, 1967-1972; “Palmeiras e Flamengo”, 197,5 x 282cm, 1965; “Os 99 heróis do estádio” nanquim e guache s/ papel, 50x65cm, 1965; “Os super-homens”, acrílica s/ madeira, 70x100cm, 1965; “Os heróis do estádio”, 1966; “O futebol – Flamengo campeão”, 244x122cm, 1965
[7] “O que é isso, uma bola?”, pastel s/ cartão, 66x97cm, 1982; “Mulheres atletas”, óleo s/ tela, 73x100cm, 1982; “Atleta gigantesco”,  óleo s/ tela, 100x73cm, 1987; “O atleta”, xilogravura, 30x30cm, 1964.
[8] “Campo de Jogo”, óleo s/ tela, 245x209cm, 1989.
[9] MELO, V. A. de. Esporte Lazer e Artes Plásticas: diálogos. Rio de Janeiro: Apicuri/Faperj, 2009. 209p.

2 de junho de 2014

Futebol e Arte Moderna: reflexões iniciais às vésperas da Copa do Mundo de Futebol


Em 2010, escrevi no site sobre o esporte como tema mantido à margem da investigação e das reflexões da arte contemporânea: http://fabianodevide.blogspot.com.br/2010/11/na-semana-passada-participei-da.html
Umberto Boccioni
Dinamismo de um jogador de futebol
Óleo s/ tela
193,2 x 201cm
1913.

Gostaria de retomar o debate agora, no momento quando o esporte, notadamente o futebol, recebe atenção da sociedade em função da Copa do Mundo, a ocorrer este mês em diferentes estados do Brasil. Assim, em junho, buscarei postar alguns textos breves com os seguintes objetivos: i) abordar a presença do esporte e das práticas corporais diversas na Arte Moderna e Contemporânea, com foco na produção nacional; ii) refletir sobre as ações de instituições – galerias, museus, fundações etc. – na atenção às investigações artísticas que possuem o esporte ou o tangenciam como eixo norteador; e iii) analisar o papel do artista enquanto sujeito produtor de sentidos que podem tanto contemplar as demandas do mercado em momentos como o atual; quanto, através da sua investigação, promover uma reflexão sobre o mundo através do esporte enquanto tema de sua investigação.

Thomas Eakins
Abrindo contagem
Óleo s/ tela
264 x 234cm
1898
 
 
 
Alguns artistas modernos, como Édouard Manet[1], Peirre-Auguste Renoir[2], Henri de Toulouse-Lautrec[3], Winslow Homer[4], Thomas Eakins[5], Pablo Picasso[6], Umberto Boccioni[7], Amadeo Souza Cardoso[8] Vicente do Rego Monteiro[9], entre outros, abordaram o esporte e algumas práticas corporais nas suas obras na virada do século XIX para o século XX, quando este era um elemento cultural relevante em diversos países, incluindo o Brasil (MELO, 2009)[10].
 

Aqui, entre tantas modalidades esportivas, o futebol, especialmente, tem sido nomeado como o “ópio do povo” ou uma “paixão nacional”, uma expressão que circula no cotidiano pelos meios de comunicação e diferentes tipos de linguagem. Tais expressões podem ser interpretadas tanto no sentido de conferir ao futebol uma identidade nacional e um valor cultural relevante; quanto podem sugerir uma função de “anestesiar” a sociedade para os males que a afetam, alienando-a; ainda que ambos os aspectos não sejam mutuamente exclusivos e possa conviver juntos no cotidiano da sociedade brasileira. Já dizia a letra de Wilson Simonal[11], Aqui é o país do futebol:



“Brasil está vazio na tarde de Domingo, né?
 Olha o sambão, aqui é o país do futebol
 (...)
 No fundo desse país
 Ao longo das avenidas
 Nos campos de terra e grama
 Brasil só é futebol
 Nesses noventa minutos
 De emoção e alegria
 Esqueço a casa e o trabalho
 A vida fica lá fora
 Dinheiro fica lá fora
 A cama fica lá fora
 A mesa fica lá fora
 Salário fica lá fora
 A fome fica lá fora
 A comida fica lá fora
 A vida fica lá fora
 E tudo fica lá fora.”
 
Em contrapartida ao cenário europeu, os esportes em geral não surgem na produção artística brasileira no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX com a mesma recorrência. No auge do Modernismo, apenas alguns artistas como Castagneto, Almeida Júnior, Joaquim Miguel Dutra, Oscar Pereira da Silva e Benedito Calixto produziram obras com indícios dos esportes praticados na época pela sociedade brasileira, tais como a vela, o hipismo, o remo, o turfe, a patinação e as regatas. (MELO, op. cit.)

Vicente do Rego Monteiro
Goleiro
Óleo s/ painel
90 x 120 cm
1930
Segundo o autor, foi a partir da década de 1920, que o esporte aparece na produção nacional, pela primeira vez, com obras de Anita Malfatti[12], tematizando a ginástica; Vicente do Rego Monteiro, que produziu obras com imagens de lutas[13], o tênis[14], os atletas[15] e o futebol[16]; Cândido Portinari, que tematizou o futebol em diversas obras[17]; Francisco Rebolo[18] e Cícero Dias, que possui obras com a natação e o futebol[19]; todos representantes da Arte Moderna no Brasil. Ainda assim, enquanto tema, o esporte não possui a recorrência de outros, de maior relevância nas obras dos artistas da época.

Portanto, se no contexto europeu, o esporte surge nas obras de diferentes movimentos artísticos durante o Modernismo, no século XIX e início do século XX; no Brasil esse elemento cultural apareceu tardiamente, ainda que presente no cotidiano das elites desde o século XIX, com o turfe, o remo, o ciclismo, a natação, a esgrima e a ginástica enquanto práticas cotidianas, incentivadas com fins higiênicos e eugênicos (LUCENA, 2001[20]; DEVIDE, 2012[21]).

Enquanto objeto de investigação ou tema representado em algumas obras, o esporte e as práticas corporais diversas retornam em um segundo momento com maior frequência à produção artística nacional, no período demarcado pela passagem do Modernismo à Arte Contemporânea, nas décadas de 1960 e 1970, quando artistas brasileiros como Rubens Gerchman, Roberto Magalhães, Cláudio Tozzi, Glauco Rodrigues, entre outros, produzem obras durante o período da ditadura militar, muitas delas, tematizando o futebol.
 
[continua...]




[1] Corridas em Longchamp, óleo s/ tela, 43,9x84,5cm, 1866.
[2] Almoço no restaurante Fournaise (o almoço dos remadores), óleo s/ tela, 55,1 x 65,9cm, 1975.
[3] O ciclista Michaël (A corrente Simpson), 1896.
[4] Um jogo de croquete, óleo s/ tela, 60,3x87,9cm, 1866.
[5] Abrindo contagem, óleo s/ tela, 264x234cm, 1898 e Busto de homem (o atleta), óleo s/ tela, 92 x 73,3cm, 1909.
[6] Os boxeadores, caneta e tinta preta, 16,9x24,3cm, 1911.
[7] Dinamismo de um jogador de futebol, óleo s/ tela, 193,2x201cm, 1913.
[8] Os cavaleiros, óleo s/ tela, 100x100cm, 1913
[9] Tênis, óleo s/ tela, 1928.
[10] MELO, V. A. de. Esporte Lazer e Artes Plásticas: diálogos. Rio de Janeiro: Apicuri/Faperj, 2009. 209p.
[11] SIMONAL, W. Aqui é o país do futebol. Disponível em: http://www.vagalume.com.br/wilson-simonal/aqui-e-o-pais-do-futebol.html. Acesso em: 02 jun. 2014.
[12] “Torso/Ritmo (1915/1916), carvão e pastel s/ papel, 61x46,6cm.
[13] “Combate” (1927), óleo s/ tela.
[14] “Tênis”, (1928), óleo s/ tela.
[15] “Os atletas, (1930), óleo s/ Eucatex, 122x91cm.
[16] “Goleiro” (1930), óleo s painel, 90x120cm.
[17] “Jogo de Futebol em Brodowski”, (1933), óleo s/ tela, 49,5x124cm; “Futebol”, (1935), óleo s/ tela, 97x130cm; “Jogando Futebol” (1939), nanquim s/ papel, 15,5x16,5cm e “Futebol”, (1940), óleo s/ tela, 130x160cm.
[18] “Futebol”, (1936), óleo s/ tela, 86x36cm.
[19] “Mulher nadando”, (1930), aquarela e nanquim s/ papel, 67,3x51cm; “Goleiro”, (1920), óleo s/ tela.
[20] LUCENA, R. de F. O esporte na cidade. Campinas: Autores Associados/CBCE, 2001. 153p.
[21] DEVIDE, F. P. História das Mulheres na natação feminina no século XX: das adequações às resistências sociais. São Paulo: Hucitec, 2012. 302p.