Leda Catunda "Campeão III" Tecido e tinta acrílica 2013 |
Nas postagens anteriores, apresentamos como o
esporte ficou à sombra na produção da Arte Moderna e início da Arte
Contemporânea no Brasil, em comparação com a presença desta temática, por exemplo,
no continente europeu, no período do Modernismo. Para tal, destacamos alguns
artistas brasileiros que produziram obras no início do século XX (1920-1940) e
nas décadas da ditadura militar [1960-1980].
Como se posiciona a Arte Contemporânea neste
contexto de manutenção do esporte à sombra de sua produção? Gostaríamos de destacar como o esporte
poderia estar passando por um terceiro resgate na produção da Arte brasileira
hoje; porém, a partir de uma reflexão crítica sobre as funções das instituições
e do/a artista hoje. Este texto surgiu de uma reflexão sobre esta
questão, potencializada com recente reportagem de um periódico carioca[1], que
destacou o despreparo de nossas instituições culturais com a aproximação da
Copa do Mundo de Futebol no Brasil, por não promoverem eventos – espetáculos
teatrais, musicais, exposições de arte, entre outros – que tematizassem o
futebol.
Aqui, nos
debruçaremos sobre o campo das Artes Visuais e a suposta escassez destacada
pela mídia impressa de eventos que abordem o esporte (e o futebol) como tema,
para refletirmos sobre a sociedade contemporânea, em virtude do público presente
no Brasil este mês criar uma demanda na busca de eventos sobre a modalidade que
mais envolve a sociedade em nível planetário, acompanhando o futebol como
praticantes amadores, atletas semiprofissionais, profissionais de diversas
áreas e serviços (MURAD, 2012)[2].
Tais pessoas acompanharão o esporte pela mídia impressa, virtual e
televisionada; além da presença nos estádios.
Cabe
refletirmos, então, como poderemos encontrar este fenômeno mundial no campo das
Artes Visuais? Ao contrário da escassez de eventos sobre futebol, suposta pela
mídia, um breve levantamento nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo nos
permitiu encontrar cerca de dez mostras individuais ou coletivas[3], montadas
por ocasião da Copa do Mundo de Futebol. Entretanto, no contexto cotidiano da
Arte Contemporânea no país, o esporte (ou o futebol) não é um tema encontrado
correntemente em exposições pelo país afora, salvo em ocasiões como a atual.
Em nosso entendimento,
eventos artísticos que tematizam o esporte enquanto elemento de reflexão, devem
ultrapassar os limites dos calendários dos eventos esportivos, como a Copa do
Mundo e os Jogos Olímpicos Modernos, fato que ocorre no Brasil nestes meses de
junho e julho e será retomado em 2016. O esporte, enquanto instituição social
que reproduz ou contesta os valores hegemônicos circulantes, precisa ser
apropriado pela Arte Contemporânea de forma ativa, possibilitando aos
espectadores/as pensarem o contexto no qual esta modalidade está inserida.
A título
de exemplo, ao refletir sobre questões universais, como gênero ou raça, por que
as Artes Visuais não podem explorar a exclusão das mulheres na sociedade a
partir de sua exclusão no futebol, seja no países islâmicos, onde mulheres são
proibidas de praticá-lo; seja em países onde a modalidade ainda se configura
como uma área de reserva masculina, onde mulheres sofrem com preconceitos e
enfrentam barreiras para sua inserção e permanência no esporte; ou, por fim, seja
em relação ao preconceito racial e à violência presente nos campos de futebol?
Artistas
que possuem uma investigação que utilize o esporte (ou o futebol) como eixo
norteador, ou que o utilizaram em algum momento de sua produção, necessitam
refletir sobre como suas obras são reconhecidas enquanto arte no cotidiano - seja
através de sua inserção nas instituições, via salões e exposições; seja na sua comercialização,
através de galerias - e não somente em momentos como o que passamos, no caso da
Copa do Mundo, quando inúmeras instituições organizam eventos “temáticos” sobre
o futebol. É relevante pensar sobre como estas instituições, por vezes, desvalorizam
a produção artística que tematiza o esporte enquanto elemento de investigação
nos demais períodos do calendário.
Apesar de
algumas das exposições coletivas - enumeradas em nota desta postagem - reunirem
dezenas de artistas que tematizam a “bola” ou o “futebol”, a Arte Contemporânea
brasileira ainda não explora a produção existente entre artistas nacionais. Faz-se
necessário que instituições, críticos/as, curadores/as, galeristas e artistas
se debrucem sobre o esporte e o elejam enquanto elemento presente na obra de
arte, não somente em tempos de Copa, mas no cotidiano de suas investigações.
Assim, pensamos que a Arte pode alcançar um de seus objetivos: ser uma via de emancipação
do espectador em relação à leitura crítica do mundo, a partir do consumo da
Arte.
Para tal,
os profissionais do campo das Artes Visuais precisam estar atentos não somente
às oportunidades e convites que surgem em momentos como a Copa do Mundo de
Futebol (2014), a Copa das Confederações (2013) e os Jogos Olímpicos (2016), na
direção de comporem curadorias, escreverem textos críticos, montarem exposições
ou serem aqueles/as que produzirão as obras: os/as artistas. É necessário
construir uma reflexão sobre a real presença deste objeto na Arte Contemporânea
hoje, conferindo visibilidade à produção de nossos/as artistas, que em algum
momento se debruçaram sobre o tema do esporte e do futebol para produzirem
obras significativas, em contextos específicos da história do país, tais como
os já apresentados nas postagens anteriores; além daqueles que tem produzido
novas obras, como já mencionamos em postagem neste site[4]: Nelson
Leirner, Fernando Ancil, Frederico Dalton, Leda Catunda, Marina Reinghantz, Raul
Mourão, Marcelo Amorim, Vik Muniz, Felipe Barbosa, Regina Silveira, entre outros/as.
Entretanto,
nos parece que se de um lado, vários/as artistas investigam um fenômeno social
como o futebol em suas produções desde o início da Arte Contemporânea, em
meados da década de 1950 (ARCHER, 2008)[5]; as
instituições não têm se interessado em catalogar, organizar e expor de forma
significativa e contundente tal produção, além das datas relativas a eventos
esportivos. Isso possibilitaria que os espectadores, não somente no momento
histórico atual, quando o país sedia um evento que causa impactos políticos
relevantes ao Brasil; mas de forma contínua, pudessem refletir sobre como o
futebol, enquanto instituição, pode ser apropriado pela Arte Contemporânea de
forma crítica e reflexiva, explorando, p. ex., o seu potencial educativo, por
meio de projetos educacionais interdisciplinares que levassem estudantes para
“consumirem” a Arte de forma orientada, com vistas à formação ampliada,
emancipada e crítica de crianças e adolescentes, no que tange ao futebol, ao
esporte e à arte como via para que tal objetivo fosse atingido.
[1]
VELOSO, C. Procura sem oferta. O Globo,
Segundo Caderno, Rio de Janeiro, p. 2, 11/05/2014.
[2]
MURAD, M. Para entender a violência no
futebol. Benvirá: Rio de Janeiro, 2012. 237p.
[3]
Entre as exposições individuais e coletivas montadas nos estados do Rio de
Janeiro e São Paulo, destacamos: “Futebol no campo ampliado” – Eduardo Coimbra,
Paço Imperial, Rio de Janeiro. “Pelada” – Leonardo Finotti, Galeria Luciana
Caravello, Rio de Janeiro. “Bola de Futebol” – Nicola Constantino, Casa Daros,
Rio de Janeiro. “Heterotipia” – Priscilla Monge, Casa Daros, Rio de Janeiro. “Quadrado
Mágico” – Felipe Barbosa, Galeria Sérgio Gonçalves, Rio de Janeiro. “Tatu:
futebol, cultura, adversidade da caatinga” – coletiva, Museu de Arte do Rio
(MAR), Rio de Janeiro. “Por cima do futebol” – Marcillio Gazzineli, Sociedade
Fluminense de Fotografia, Niterói, RJ. “Futebol, paixão brasileira” – coletiva,
Museu Internacional de Arte Naïf (MIAN), Rio de Janeiro. “Arte Naïf, a bola da
vez” – coletiva, Centro Cultural dos Correios, Rio de Janeiro. “O artista e a
bola” – coletiva, OCA-Ibirapuera, São Paulo
[4] DEVIDE,
F. P. Futebol e arte contemporânea
brasileira. Disponível em: http://fabianodevide.blogspot.com.br/2013/06/futebol-e-arte-contemporanea-brasileira.html
Acesso em 14 jun. 2014.
[5]
ARCHER, M. Arte Contemporânea: uma
história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
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