6 de junho de 2014

Esporte, Futebol e Arte Contemporânea no Brasil: 1960-1980

Em 2012, ao assistir a palestra sobre Arte Contemporânea, Esporte e Gênero, com foco na Teoria Queer, proferida pela professora Jennifer Doyle[1] (Universidade da Califórnia), na Faculdade de Educação da UFRJ, a mesma destacou a Performance no campo do esporte, especificamente o futebol, com foco na participação das mulheres nesta área de reserva masculina. No debate com a palestrante, questionei a escassez de trabalhos de arte contemporânea que tematizassem as questões de gênero, utilizando o esporte como foco. Como exemplos dessa escassez, mencionei a Bienal de São Paulo e a exposição "Gender Check"[2], ambas ocorridas em 2010, esta última reunindo artistas contemporâneos da Europa Oriental, com obras com a temática de gênero.

Sobre a manutenção desta temática à sombra por instituições - museus, galerias etc., e pessoas envolvidas com a arte contemporânea - curadores/as, galeristas, professores/as e artistas, Doyle afirmou que tais instituições tem interpretado a temática como desinteressante, menos valiosa ou irrelevante para o campo das Artes Visuais.
“Campo de Jogo”
óleo s/ tela
245x209cm
1989
Fazendo uma analogia com o que ocorre, em geral, no campo acadêmico, onde também estou inserido, a produção do conhecimento na área das Ciências Humanas e Sociais, como a História e as Ciências Sociais, passaram a reconhecer o esporte, sobretudo o futebol, como rico suporte para efetuar análises e interpretações macro e microssociais, auxiliando na compreensão de aspectos políticos, culturais e históricos de nossa sociedade apenas recentemente, como a violência (MURAD, 2007) [3]. Entretanto, ainda conheço historiadores e sociólogos que não são bem vistos ao se debruçarem sobre o esporte - geralmente o futebol - enquanto tema de estudo e investigação pelas mesmas razões enumeradas por Doyle.

Resgatando, então, aspectos da postagem anterior, “Esporte e Arte Moderna: reflexões iniciais às vésperas da Copa do Mundo de Futebol”, e dando-lhe continuidade, gostaria de destacar alguns artistas brasileiros que tematizaram o futebol – e o esporte – em suas obras a partir da década de 1960, resgatado este tema no conjunto de obras que circularam naquele momento na arte contemporânea brasileira, que coincidiu com o início do período da ditadura militar.

“Pelé”
Liquitex s/ tela
120x120cm
1970.
De alguma forma, alguns destes artistas - Fúlvio Pannacchi[4], Cláudio Tozzi[5], Rubens Gerchman[6], Roberto Magalhães[7] e Cildo Meirelles[8] - vislumbraram o esporte e o futebol, especificamente, como um tema presente na sociedade da época, assim como o seu fenômeno junto à cultura das massas. Tais artistas produziram obras entre 1960 e 1980, período político conturbado, quando com o regime militar instituído, liberdades individuais foram cerceadas.


“A dança do futebol”
Acrílica e óleo s/  tela
245x190cm
1997
Desses artistas, Melo (2009)[9] faz menção a Claudio Tozzi, Roberto Magalhães e Rubens Gerchman, entre outros, como artistas brasileiros que participaram de exposições relevantes no período, como Opinião 65 e a II Bienal da Bahia, em 1968, fechada por militares e recentemente aberta em Salvador, após 46 anos de intervalo.

O autor destaca que Claudio Tozzi foi um representante da arte de combate e reflexão, utilizando diversas técnicas e suportes, apropriando-se de imagens da cultura de massa, como o tema do esporte, no qual produziu obras onde o futebol e o boxe estiveram presentes. Já Roberto Magalhães, se destacou com o Prêmio Aquisição I Jovem Gravura Nacional, com a obra “O atleta”, em 1964, na qual, como em outras obras que tematizaram o esporte, demonstrava seu fascínio pela figura do herói e ídolo esportivo.

“Os 99 heróis do estádio”
Nanquim e guache s/ papel
50x65cm
1965
Rubens Gerchman, por fim, foi um artista que produziu diversas obras sobre o esporte, com ênfase no ciclismo e o futebol; este segundo, representado como um elemento das massas, com sua narrativa crítica e denunciadora, ancorada nas dimensões sociológica e política da arte. Segundo Melo (op. cit.), em sua “fase negra” (déc. 1960), encontramos pinturas com multidões que cobriam a superfície das obras, das quais algumas versaram sobre o futebol, como “Os 99 heróis do estádio” e “Futebol Flamengo campeão”, ambas de 1965.
“Os super-homens”
acrílica s/ madeira
70x100cm
1965
Nesta década, o artista representou o futebol enquanto elemento social, utilizando-o como meio para promover uma crítica à massificação do ser humano na sociedade de consumo capitalista daquele momento. Entre as obras do período, destacam-se “Os super-homens”, de 1965; e “Futebol-linguagem”, de 1967; que estabelecem o diálogo entre imagens e fatos, de forma a tecer uma crítica aos ídolos construídos pela mídia (MELO, 2009).

No contexto da arte brasileira neste período, o esporte promoveu o debate sobre questões da sociedade contemporânea, como a cultura de massa e o culto ao herói e aos ídolos. A tematização do futebol na investigação de alguns artistas, neste cenário, indicou que este esporte era um fenômeno social apropriado pela arte, conferindo identidade ao conjunto da obra de alguns artistas, num contexto histórico específico: os anos da ditadura militar.

Importante sublinhar que se no período entre 1960-1980, encontramos um primeiro resgate do esporte (e do futebol) enquanto tema na arte contemporânea brasileira; encontramos a presença do esporte e do futebol em diversas obras de artistas contemporâneos da atualidade, tais como: Felipe Barbosa, Raul Mourão, Nelson Leirner, Fernando Ancil, Leda Catunda, Marina Reinghantz, Vik Muniz, Regina Silveira, entre outros/as. A presença do esporte e do futebol na Arte Contemporânea hoje, assim como a sua apresentação por instituições de arte é tema de nossa próxima postagem.


[1] http://fromaleftwing.blogspot.com/ Blog organizado pela professora Jennifer Doyle, que aborda, especificamente, as questões de gênero inerentes à participação das mulheres no futebol. No link "labels", é possível encontrar 15 posts onde a pesquisadora tece algumas interpretações em relação a como a Arte Contemporânea vem abordando a questão.
[2] MUMOK. Gender Check: femininity and masculinity in the Art of Eastern Europe. Cologne: MUMOK, 2010.
[3] MURAD, M. A violência e o futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje. Rio de Janeiro: FGV, 2007.  
[4] “Jogo de Futebol”, óleo s/ madeira, 10x13cm, 1979.
[5] “A luta”,  liquitex s/ tela, 84 x 84cm, 1970; “A dança do futebol”, acrílica e óleo s/  tela, 245x190cm, 1997; “Pelé”, liquitex s/ tela, 120x120cm, 1970.
[6] “Futebol-linguagem” [torneio início], acrílica s/ tela, grama plástica e silk-screen, 200x200cm, 1967-1972; “Palmeiras e Flamengo”, 197,5 x 282cm, 1965; “Os 99 heróis do estádio” nanquim e guache s/ papel, 50x65cm, 1965; “Os super-homens”, acrílica s/ madeira, 70x100cm, 1965; “Os heróis do estádio”, 1966; “O futebol – Flamengo campeão”, 244x122cm, 1965
[7] “O que é isso, uma bola?”, pastel s/ cartão, 66x97cm, 1982; “Mulheres atletas”, óleo s/ tela, 73x100cm, 1982; “Atleta gigantesco”,  óleo s/ tela, 100x73cm, 1987; “O atleta”, xilogravura, 30x30cm, 1964.
[8] “Campo de Jogo”, óleo s/ tela, 245x209cm, 1989.
[9] MELO, V. A. de. Esporte Lazer e Artes Plásticas: diálogos. Rio de Janeiro: Apicuri/Faperj, 2009. 209p.

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