Em 2012, ao assistir a palestra sobre Arte Contemporânea,
Esporte e Gênero, com foco na Teoria Queer,
proferida pela professora Jennifer Doyle[1]
(Universidade da Califórnia), na Faculdade de Educação da UFRJ, a mesma
destacou a Performance no campo do esporte, especificamente o futebol,
com foco na participação das mulheres nesta área de reserva masculina. No
debate com a palestrante, questionei a escassez de trabalhos de arte
contemporânea que tematizassem as questões de gênero, utilizando o esporte como
foco. Como exemplos dessa escassez, mencionei a Bienal de São Paulo e a exposição
"Gender Check"[2], ambas
ocorridas em 2010, esta última reunindo artistas contemporâneos da Europa
Oriental, com obras com a temática de gênero.
Sobre a manutenção desta temática à sombra por
instituições - museus, galerias etc., e pessoas envolvidas com a arte
contemporânea - curadores/as, galeristas, professores/as e artistas, Doyle
afirmou que tais instituições tem interpretado a temática como desinteressante,
menos valiosa ou irrelevante para o campo das Artes Visuais.
“Campo de Jogo” óleo s/ tela 245x209cm 1989 |
Fazendo uma analogia
com o que ocorre, em geral, no campo acadêmico, onde também estou inserido, a produção
do conhecimento na área das Ciências Humanas e Sociais, como a História e as
Ciências Sociais, passaram a reconhecer o esporte, sobretudo o futebol, como
rico suporte para efetuar análises e interpretações macro e microssociais,
auxiliando na compreensão de aspectos políticos, culturais e históricos de
nossa sociedade apenas recentemente, como a violência (MURAD, 2007) [3]. Entretanto, ainda conheço
historiadores e sociólogos que não são bem vistos ao se debruçarem sobre o
esporte - geralmente o futebol - enquanto tema de estudo e investigação pelas
mesmas razões enumeradas por Doyle.
Resgatando, então, aspectos da postagem anterior,
“Esporte e Arte Moderna: reflexões iniciais às vésperas da Copa do Mundo de
Futebol”, e dando-lhe continuidade, gostaria de destacar alguns artistas
brasileiros que tematizaram o futebol – e o esporte – em suas obras a partir da
década de 1960, resgatado este tema no conjunto de obras que circularam naquele
momento na arte contemporânea brasileira, que coincidiu com o início do período
da ditadura militar.
“Pelé” Liquitex s/ tela 120x120cm 1970. |
De alguma forma, alguns destes artistas - Fúlvio
Pannacchi[4], Cláudio
Tozzi[5],
Rubens Gerchman[6], Roberto
Magalhães[7] e Cildo
Meirelles[8] - vislumbraram
o esporte e o futebol, especificamente, como um tema presente na sociedade da
época, assim como o seu fenômeno junto à cultura das massas. Tais artistas produziram
obras entre 1960 e 1980, período político conturbado, quando com o regime
militar instituído, liberdades individuais foram cerceadas.
“A dança do futebol” Acrílica e óleo s/ tela 245x190cm 1997 |
Desses artistas, Melo (2009)[9]
faz menção a Claudio Tozzi, Roberto Magalhães e Rubens Gerchman, entre outros,
como artistas brasileiros que participaram de exposições relevantes no período,
como Opinião 65 e a II Bienal da Bahia, em 1968, fechada por militares e
recentemente aberta em Salvador, após 46 anos de intervalo.
O autor destaca que Claudio Tozzi foi um representante
da arte de combate e reflexão, utilizando diversas técnicas e suportes,
apropriando-se de imagens da cultura de massa, como o tema do esporte, no qual
produziu obras onde o futebol e o boxe estiveram presentes. Já Roberto
Magalhães, se destacou com o Prêmio Aquisição I Jovem Gravura Nacional, com a
obra “O atleta”, em 1964, na qual, como em outras obras que tematizaram o
esporte, demonstrava seu fascínio pela figura do herói e ídolo esportivo.
“Os 99 heróis do estádio” Nanquim e guache s/ papel 50x65cm 1965 |
Rubens Gerchman, por fim, foi um artista que
produziu diversas obras sobre o esporte, com ênfase no ciclismo e o futebol;
este segundo, representado como um elemento das massas, com sua narrativa
crítica e denunciadora, ancorada nas dimensões sociológica e política da arte.
Segundo Melo (op. cit.), em sua “fase negra” (déc. 1960), encontramos pinturas
com multidões que cobriam a superfície das obras, das quais algumas versaram
sobre o futebol, como “Os 99 heróis do estádio” e “Futebol Flamengo campeão”,
ambas de 1965.
“Os super-homens” acrílica s/ madeira 70x100cm 1965 |
Nesta década, o artista representou o futebol enquanto elemento
social, utilizando-o como meio para promover uma crítica à massificação do ser
humano na sociedade de consumo capitalista daquele momento. Entre as obras do
período, destacam-se “Os super-homens”, de 1965; e “Futebol-linguagem”, de
1967; que estabelecem o diálogo entre imagens e fatos, de forma a tecer uma
crítica aos ídolos construídos pela mídia (MELO, 2009).
No contexto da arte brasileira neste período, o
esporte promoveu o debate sobre questões da sociedade contemporânea, como a
cultura de massa e o culto ao herói e aos ídolos. A tematização do futebol na
investigação de alguns artistas, neste cenário, indicou que este esporte era um
fenômeno social apropriado pela arte, conferindo identidade ao conjunto da obra
de alguns artistas, num contexto histórico específico: os anos da ditadura
militar.
Importante sublinhar que se no período entre
1960-1980, encontramos um primeiro resgate do esporte (e do futebol) enquanto
tema na arte contemporânea brasileira; encontramos a presença do esporte e do
futebol em diversas obras de artistas contemporâneos da atualidade, tais como:
Felipe Barbosa, Raul Mourão, Nelson Leirner, Fernando Ancil, Leda Catunda, Marina
Reinghantz, Vik Muniz, Regina Silveira, entre outros/as. A presença do esporte
e do futebol na Arte Contemporânea hoje, assim como a sua apresentação por
instituições de arte é tema de nossa próxima postagem.
[1] http://fromaleftwing.blogspot.com/
Blog organizado pela professora Jennifer Doyle, que aborda, especificamente, as
questões de gênero inerentes à participação das mulheres no futebol. No link
"labels", é possível encontrar 15 posts onde a pesquisadora tece
algumas interpretações em relação a como a Arte Contemporânea vem abordando a
questão.
[2] MUMOK. Gender Check: femininity and masculinity
in the Art of Eastern Europe. Cologne: MUMOK, 2010.
[3] MURAD, M. A violência e o futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje. Rio de Janeiro: FGV, 2007.
[3] MURAD, M. A violência e o futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje. Rio de Janeiro: FGV, 2007.
[4] “Jogo de
Futebol”, óleo s/ madeira, 10x13cm, 1979.
[5] “A luta”,
liquitex s/ tela, 84 x 84cm, 1970; “A
dança do futebol”, acrílica e óleo s/ tela,
245x190cm, 1997; “Pelé”, liquitex s/ tela, 120x120cm, 1970.
[6] “Futebol-linguagem”
[torneio início], acrílica s/ tela, grama plástica e silk-screen, 200x200cm,
1967-1972; “Palmeiras e Flamengo”, 197,5 x 282cm, 1965; “Os 99 heróis do
estádio” nanquim e guache s/ papel, 50x65cm, 1965; “Os super-homens”, acrílica
s/ madeira, 70x100cm, 1965; “Os heróis do estádio”, 1966; “O futebol – Flamengo
campeão”, 244x122cm, 1965
[7] “O que é
isso, uma bola?”, pastel s/ cartão, 66x97cm, 1982; “Mulheres atletas”, óleo s/
tela, 73x100cm, 1982; “Atleta gigantesco”,
óleo s/ tela, 100x73cm, 1987; “O atleta”, xilogravura, 30x30cm, 1964.
[8] “Campo
de Jogo”, óleo s/ tela, 245x209cm, 1989.
[9] MELO, V.
A. de. Esporte Lazer e Artes Plásticas: diálogos. Rio de Janeiro:
Apicuri/Faperj, 2009. 209p.
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