8 de janeiro de 2011

Notas sobre os últimos trabalhos


O domínio, a consciência de seu próprio corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito do investimento do corpo pelo poder: a ginástica, os exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do belo corpo (...) através de um trabalho insistente, obstinado, meticuloso (...)  [p. 146]*

É possível relacionar elementos sobre o corpo entre os séculos XIV e XVI, período do Renascimento; com questões atuais que circulam sobre a cultura do corpo na sociedade contemporânea? Esta questão norteia os últimos trabalhos que venho apresentando aqui no Blog.
A História da Arte assinala que no Renascimento, a escultura foi caracterizada, entre outros aspectos, pela representação proporcional da figura humana tal como a realidade, através do estudo do corpo [e sua anatomia], as noções de profundidade e perspectiva revelaram músculos torneados em proporções perfeitas, notadamente sobre o corpo masculino. "David", de Michelangelo, exemplifica as características acima e nos convida a refletir como, hoje, tais proporções se transformaram em “capital social”, sendo vendido, trocado, alugado etc.
Inserido em uma sociedade de consumo, onde existem bens simbólicos e materiais, interpreto o corpo, enquanto "capital simbólico", que ancora uma série de significados que contribuem para constituir uma hierarquia de poder simbólico sobre a sua relação com a busca de objetivos pessoais, sejam materiais ou emocionais. Nesse caso, com a transformação dos padrões estéticos das últimas décadas, aqueles/as que não se aproximam do modelo de corpo "ideal", tendem a se sentir excluídos/as de uma indústria cultural e de consumo que se desenvolve para atingir aqueles/as que possuem o modelo padrão e valorizado de corpo.
Nesse contexto, os últimos trabalhos realizados são estudos para um projeto que busca tecer um diálogo entre o discurso sobre o corpo na história da arte com o discurso contemporâneo, circulante nas revistas de fitness direcionadas ao público masculino. Assim, a composição da imagem da escultura com a palavra busca produzir uma reflexão sobre o esquadrinhamento do corpo, "esculpido" de forma cartesiana, a partir dos mais distintos recursos e "sacrifícios" oferecidos pela indústria. Nesse sentido, a fragmentação da figura pelo recorte ou pela linha, assim como a sua demarcação com o uso de alfinetes, busca sinalizar, respectivamente, a segmentação do corpo e o sacrifício aos quais os homens [e as mulheres] têm se sujeitado na busca do corpo cultuado na sociedade contemporênea.

* FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1998.

6 de janeiro de 2011