31 de outubro de 2016

Individual "Não-lugares" - texto curatorial de Jozias Benedicto

Texto curatorial com Caixa I, 2013.
Não-lugares


(…) ao centro, uma pequena elevação de terreno. Declives moderados à esquerda, à direita e à frente. Do lado de trás, declive abrupto. O máximo de simplicidade e simetria.
  Luz crua.
     O pano de fundo (…) representa a fuga e o encontro, ao longe, de um céu sem nuvens com uma planície nua.
Samuel Becket, Dias felizes


O artista Fabiano Devide, em seus trabalhos apresentados na exposição Não-lugares, envolve o espectador em universos que, à semelhança dos espaços de Becket, falam do desamparo do homem na atualidade, em um mundo hostil onde é impossível qualquer tentativa de comunicação e de transcendência. Ao se identificar com os personagens (presentes ou sugeridos) dos trabalhos do artista, os espectadores,  como os protagonistas de Dias felizes, estão condenados a vagar eternamente, sem passado e sem futuro, em cenários do provisório, do anonimato, do não-pertencimento. São os não-lugares, conceito proposto pelo antropólogo francês Marc Augé: espaços de passagem, territórios do efêmero, da impessoalidade e da solidão, marcas do mundo contemporâneo.

Caixa I, 2013
Da série Locus
Objeto
18 x 18 x 6 cm
The Observer, 2015
Acrílica sobre brim
100 x 50 cm
Na tela de 2015 The observer, a identificação do espectador com o personagem é imediata. Cinza, preto e azul. Percebemos o azul como céu; um edifício cinza, curvo, visto em perspectiva ascendente; e o teto desse edifício, visto a partir de “aberturas”, campos negros nos muros cinzentos; neste teto há uma abertura, através da qual se vê uma nesga do céu sem nuvens. O personagem é apenas uma silhueta em preto “à frente” do cinza, imaginamos que olha para cima, para o pedaço de céu entrevisto através da fenda no teto da edificação; mas talvez esta silhueta seja apenas uma sombra ou um buraco na parede. O olhar do espectador penetra por esta figura negra e se coloca de imediato “dentro” do espaço da pintura, é ele é quem procura o céu e ao mesmo tempo sente a pequenez de quem só consegue perceber a realidade mediado por sua representação. Fabiano constrói este jogo de paradoxos que prende o espectador e o faz pensar.

  
Sem título, 2014
Da série Blocos
Acrílica sobre tela
50 x 50 cm
Nos trabalhos da série Locus o artista captura o olhar do espectador com as perspectivas vertiginosas e elementos muito simples, a mesma paleta contida e o tratamento chapado que torna quase indistinguível o que é tinta e o que é suporte (nas pinturas sobre brim), ou o que é pintura e o que é colagem. Já nos trabalhos da série Blocos, os personagens são esboçados, contornos apenas sugeridos com parcos traços; e o campos azuis, que nas outras pinturas eram frestas, se transformam em blocos nos quais as figuras se apoiam ou com os quais interagem. Mas em todos os trabalhos aqui mostrados, o espectador, prisioneiro do espaço pictórico, torna-se o habitante anônimo do não-lugar.

 No Rio de Janeiro de hoje, onde a gentrificação se expande criando uma cidade de fantasia para visitantes provisórios, Santa Teresa é certamente um “lugar”, um bairro que resiste e mantém suas características históricas. Em uma casa de época, bem típica da região, reformada com amor e respeito aos materiais tradicionais, a contundência dos trabalhos de Fabiano é ampliada. 


[sent. horário] Locus V, IV, II, III, 2013-2015
Colagem, múltiplo de 5 + P.A.
24 x 24 cm [cada]
O espectador não pode deixar de notar o contraste entre os planos escuros chapados dos ambientes das pinturas e colagens do artista e as paredes em tijolos maciços e o piso em parquet em madeiras nobres do ambiente expositivo. E o artista tira proveito desse contraste, ao incluir na mostra uma intervenção site-specific em uma das altas portas da casa, criando nela um campo de cor, referência direta a seus trabalhos e que, rompido, abre para um jardim  lateral com um caramanchão.

Em seus trabalhos o artista Fabiano Devide constrói metáforas com personagens vazios presos em espaços anódinos, nos envolvendo e aprisionando. Os cinzas e negros dos não-lugares, porém, apresentam fissuras através das quais a cor e a poesia apontam para possíveis rotas de fuga, rumo a lugares de plenitude, como o pássaro de Amanhecer para Quintana, voando livre rumo aos primeiros raios de luz da aurora.



Jozias Benedicto*, curador

Outubro de 2016



*Jozias Benedicto, nascido em São Luís (Maranhão), é artista visual, escritor premiado e um dos editores da coleção "Pensamento em arte", da editora Apicuri, no Rio de Janeiro.

24 de outubro de 2016

MONTAGEM da Individual "não-lugares" - com texto de Fabiano Devide

Convite da exposição 
A individual "não-lugares", em fase de montagem, contará com 24 obras, entre pinturas, desenhos, objetos e uma instalação, resultantes da produção recente (2013-2016) do artista na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro; e selecionadas especialmente para ocupar a Galeria do Canto da Carambola, em Santa Teresa, na mesma cidade.

Fixação da instalação,
por Miro Mendonça
Com dois espaços expositivos - hall e galeria - a individual, com curadoria do artista e escritor Jozias Benedicto, e montagem de Adriano Luiz Trindade e Miro Mendonça, apresenta uma instalação que cria um campo de cor azul numa das portas que faz ligação entre o hall do casarão de época e o jardim lateral da casa, que funciona como um Espaço de Cultura. Tal instalação sofrerá intervenção do artista durante a abertura, no dia 29 de outubro, a partir das 17h.

Porta com vista para o hall
com obra "Blumenau".
No hall também é possível encontrar um objeto - Caixa I (série  Locus) - junto ao texto da curadoria, localizado na entrada; assim como um conjunto de colagens da mesma série, exposto pela primeira vez nesta ocasião; além de um conjunto de pinturas em pequeno e médio formato, incluindo "Blumenau", uma obra concebida a partir de uma fotografia da infância do artista, datada de 1975, em Blumenau, onde residiu. 

Vista lateral de uma das
"Luminárias-objeto Trapézio".
Adentrando na galeria, o espectador depara-se com um espaço ocupado por pinturas de grande, médio e pequeno formatos, um conjunto de desenhos com impressão de carbono e guache sobre papel, assim como duas "luminárias-objetos", da série "Blocos", que reproduzem elementos presentes em algumas pinturas e desenhos.

Obras inéditas, 2016


Este conjunto de trabalhos traz obras do acervo do artista, como dois desenhos e duas pinturas da Série "blocos", de 2014; assim como obras recentes e inéditas, de 2016, como um conjunto de pinturas em pequeno formato, constituído por uma paleta baixa de cinzas e azuis; além das "luminárias-objeto", um projeto iniciado em 2013 e executado especialmente para a exposição "não-lugares", este ano. 

O fio condutor da individual é o conceito de "não-lugares", apresentado pelo antropólogo Marc Augé, em sua obra 'Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade'. Trazido para um diálogo com a obra do artista, Augé afirma que a supermodernidade é representada, entre outros aspectos, pela produção de "não-lugares", por onde circulam os sujeitos, opondo-se à noção de lugar antropológico, identitário, relacional e histórico. Neste contexto, os "não-lugares" representam um mundo provisório, efêmero, transitório, solitário, despido de identidade ou referências históricas e culturais.

Colagens da série Locus
Cinemas I e II com
"Luminária-objeto" Trapézio
Paradoxalmente, o espaço expositivo do Canto da Carambola, uma casa do século XIX, ao contrário do "cubo branco", é um espaço de história, impregnada em suas paredes com tijolos aparentes, pé direito com mais de três metros, portais coloridos que nos recebem e nos acolhem. É neste contraponto que o espectador encontra referência ao conceito-chave de "não-lugares" nos espaços - internos e externos - apresentados nas obras representadas, por exemplo, pelas colagens da série Locus; assim como em pinturas como Cinema I e II, que a partir da apresentação de uma arquitetura fria, presentificam personagens na sua ausência. Nos desenhos e pinturas que apresentam personagens, esses "não-lugares" são recuperados no sentido da impossibilidade de identificação de qualquer referência que identifique esses espaços como espaços antropológicos, com identidade, história e uma dimensão relacional. 

Construídos com uma paleta de cinzas e pretos e alguns elementos azuis - frestas, blocos e campos de cor - são lugares de passagem, que apresentam personagens imersos numa atmosfera silenciosa, transcendente, solitária, contemplativa; cujos elementos azuis demarcam a comunicação entre um mundo interior e exterior, seja por uma fresta, por uma depressão no terreno ou por um bloco que tanto imobiliza, como serve de passagem para um outro lugar.

Um dos desenhos da série "Blocos",
 exposto na galeria
No processo criativo, esses espaços e personagens apresentados pelo artista, são capturados pela câmera fotográfica em espaços públicos, como a rua, o cinema, a praça, o museu; sendo deslocados do cenário original e inseridos num espaço confinado, construído pelo artista ou reproduzido a partir da captura de outras
imagens, provenientes de fragmentos da arquitetura que nos rodeia.


Serviço:
Exposição "não-lugares" - Fabiano Devide
Abertura: 29/10/16
Horário: a partir das 17h
Visitação: sob agendamento, de 30/10 até 26/11
Local: Canto da Carambola - Rua do Oriente, 123, Santa Teresa, RJ, tel. 55(21)22100289
Contato do artista: 55(21)994143873




20 de outubro de 2016

Convite para a abertura da exposição individual "não-lugares" - Fabiano Devide

É com satisfação que convido todos(as) a estarem no Canto da Carambola - um espaço cultural em Santa Teresa, propriedade dos amigos Miro Mendonça e Sergio Sal, em 29 de outubro, a partir das 17h, para a abertura de minha exposição individual “não-lugares”, com curadoria do querido artista e escritor Jozias Benedicto. Em breve, postarei novidades sobre a montagem da exposição, acompanhadas com um texto do artista.


Abaixo, segue o release e o convite do evento, feitos, respectivamente, por Jozias Benedicto e Miro Mendonça:

O Canto da Carambola apresenta a partir de 29 de outubro a exposição “Não-lugares”, com obras do artista visual Fabiano Devide. Em seus trabalhos – pinturas, desenhos, objetos, instalações, performance – o artista constrói metáforas com personagens vazios presos nesses espaços anódinos e frios. Os cinzas e negros dos não-lugares, porém, apresentam frestas através das quais a cor azul e a poesia apontam para possíveis rotas de fuga, rumo a lugares de plenitude. O conceito de “não-lugares”, proposto pelo antropólogo francês Marc Augé, a partir do qual Devide desenvolve sua poética, trata de espaços de passagem, territórios do efêmero, da impessoalidade e da solidão, marcas do mundo contemporâneo. A curadoria é do artista visual e escritor Jozias Benedicto. A abertura da mostra é no sábado, dia 29 de outubro, a partir das 17h, e a visitação pode ser feita por agendamento no período de 30 de outubro a 5 de dezembro. O Canto da Carambola é uma casa de época que funciona como espaço cultural e hospedaria no estilo cama & café. A casa tem 3 quartos de hóspedes, uma pequena galeria de arte e o pitoresco Teatro Experimental Mangueira com teto de vidro e palco cortado por uma mangueira centenária. Faz 4 anos que a casa abre as portas para a realização de atividades culturais, que incluem, entre outros, exposições de arte contemporânea e pequenos festivais de teatro e música. O espaço fica em Santa Teresa, à Rua do Oriente, 123. Telefone: (21)2210-0289.